segunda-feira, fevereiro 04, 2008

REGICÍDIO: UM DIA DEPOIS

Por Noémia Malva Novais

INTRODUÇÃO

A imagem que estão a ver mostra algumas das manchetes dos jornais diários portugueses do dia 2 de Fevereiro de 1908 – um dia depois do regicídio. Foi impressa há apenas quatro dias no mesmo prelo em que foram feitas as provas de alguns dos mais influentes jornais diários do Norte de Portugal em 1908. Eu mesma a imprimi no prelo de provas que o Museu da Imprensa do Porto tem à disposição de qualquer um de nós que queira experimentar a emoção de um tipógrafo do tempo do duplo assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe.
À nossa disposição, o Museu da Imprensa tem também, até finais de Maio próximo, uma exposição intitulada “As manchetes do regicídio” que evidencia a tese que hoje aqui vos trago – a de que a Imprensa, apenas a preto e branco, tem, aquando do regicídio, uma força avassaladora. Com efeito, há exactamente 100 anos - apenas com a diferença de hoje ser sábado e de há um século o dia 2 de Fevereiro ter sido num domingo -, os jornais abrem as suas primeiras páginas com o regicídio, abordando-o como um acontecimento completamente inesperado.
1. REGICIDIO NOTICIADO POR NOTA OFICIOSA

O regicídio é manchete em todos os jornais existentes ao tempo. Alguns jornais decidem mesmo imprimir uma 2.ª edição. Convém recordar que, no início do século XX, os meios técnicos eram escassos e os jornais eram compostos manualmente, o que obrigava os tipógrafos a trabalharem, em média, cerca de 10 horas por dia, para garantirem a saída dos jornais que, então, apresentavam entre duas, quatro e seis páginas. Portanto, o recurso à 2.ª edição foi a forma encontrada por alguns jornais para conseguirem noticiar o duplo assassinato real que, como é sabido, aconteceu ao final da tarde de sábado, dia 1 de Fevereiro, no Terreiro do Paço, em Lisboa.
À hora do regicídio, estariam já prontos alguns jornais. É o caso do jornal O Futuro, o diário de Angola dirigido por Viana Rodrigues, que apenas se publica às terças, quartas e quintas-feiras, e que decide fazer uma 2.ª edição, enchendo a sua primeira página com a notícia do atentado. O título “Horrível tragédia” atravessa a página de uma margem à outra e é complementado por dois subtítulos: “El Rei e o Príncipe Real assassinados” e “O Infante D. Manuel proclamado Rei de Portugal”. Com apenas três frases informativas, o jornal O Futuro utiliza toda a força da Imprensa, estando ao nível das práticas defendidas pelas mais actuais teorias da informação.
O mesmo acontece com o Jornal de Notícias, ex-regenerador, agora independente, e, com certeza, um dos mais importantes jornais diários do Porto e do país, ao tempo dirigido por Alfredo de Figueiredo. O título “Assassinato de El Rei D. Carlos e de seu filho o Príncipe Real” é seguido dos subtítulos “Nota oficiosa” e “O novo monarca”. Mais uma vez, os acontecimentos essenciais são apresentados em três chamadas informativas. Depois, os acontecimentos, neste caso acompanhados de duas imagens representativas do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, são narrados com recurso à nota oficiosa proveniente do Governo Civil do Porto. Este procedimento deve ser entendido à luz das obrigações tácitas decorrentes da Lei de Imprensa franquista (de 11 de Abril de 1907) então ainda vigente.
Devemos lembrar que, este é um período em que a pena e a espada andam próximas e os proprietários e os directores de jornais, bem como os jornalistas, estão coarctados da liberdade de expressão e são perseguidos, julgados e condenados a penas de multa ou de suspensão dos seus jornais. Só entre Abril de 1907 e finais de Janeiro de 1908, são suspensos os jornais O Mundo, O País, O Popular, Vanguarda, A Época, Correio da Noite, O Liberal, O Primeiro de Janeiro, A Voz Pública, O Dia e o Jornal do Comércio; e sentam-se no banco dos réus numerosas personalidades, entre as quais se destacam, por lá se terem sentado mais de uma vez, Guerra Junqueiro, França Borges, Artur Leitão, Brito Camacho, Magalhães Lima, António José de Almeida, José do Vale e Meira e Sousa. ~
2. JORNAIS DO NORTE MAIS IMPARCIAIS
Outro diário do norte, O Comércio do Porto, dirigido por F. S. Carqueja, igualmente um dos mais influentes a nível nacional, apolítico, também relata o atentado na primeira página. Eventualmente, devido à hora adiantada a que a informação dos acontecimentos chega ao Porto, o jornal ostenta um título singelo e de tamanho reduzido. À largura de uma coluna – sensivelmente equivalente a duas colunas actuais dos nossos jornais diários -, escreve “S. M. El Rei D. Carlos” e “S. A. O Príncipe Real”. O texto que se segue caldeia as características meramente informativas com a utilização de recursos que apelam à comoção, considerando que o atentado é “uma tragédia tão horrorosa como outra não conhecemos”.
Na segunda-feira, dia 3, O Comércio do Porto, jornal que Ramalho Ortigão, nas Farpas, considera “o primeiro jornal sério da cidade” e aquele que “representa o advento de uma nova era para o jornalismo portuense”, publica um suplemento, ao seu número 29, no qual aborda pormenorizadamente o atentado, evidenciando a intenção de transmitir aos leitores que a tranquilidade reina em todo o país. Aliás, já no dia anterior, O Comércio do Porto apelava para que “a calma dos ânimos” regressasse à política e para que o Estado fosse “reabilitado com alicerces nos verdadeiros patriotas”.
Ainda a norte, O Primeiro de Janeiro, jornal que nasce no seio progressista mas que, não se comprometendo politicamente, apoia discretamente as ideias republicanas, ostenta na sua primeira página a, à primeira vista, estranha manchete “Os sucessos de Lisboa”. Digo estranha à primeira vista, porque a palavra “sucessos” apenas deva ser entendida como aquilo que aconteceu, neste caso, aquilo que aconteceu em Lisboa. Seguem-se os reveladores subtítulos “Morte do Rei D. Carlos e do Príncipe Real” e “Consequências trágicas de um período de opressão”. Deste modo, o jornal dirigido por Tomás Garcia, indigitava os culpados do regicídio.
Classificando o atentado como “alarmante sucesso” que “acaba de emocionar a nacionalidade portuguesa, de há muito tempo para cá sacudida por acontecimentos da maior gravidade”, O Primeiro de Janeiro lamenta não ter, à hora que escreve, “notícias precisas do trágico sucesso, nem facilidade em obtê-las porque o telefone foi vedado ao serviço particular e o telégrafo está funcionando sob a mais rigorosa censura”. Assim, o jornal é obrigado a limitar-se à publicação da nota oficial proveniente do Governo Civil do Porto. Insatisfeito, o jornal arrisca versões ligeiramente diferentes dos acontecimentos e, concluindo que o momento “não é para comentários”, recomenda: “o público que aprecie os acontecimentos e quanto de razão tinham aqueles que de há muito clamavam que a marcha desastrosa dos acontecimentos políticos podia levar a um fim triste”. Afinal, como se verifica, sempre faz o comentário.
3. JORNAIS POLÍTICOS PINTAM REALIDADE
Mas não devemos estranhar o comentário. A Imprensa diária portuguesa, como alerta Mário Matos e Lemos (Jornais Diários Portugueses do Século XX: 72), “ainda não havia saído da etapa histórica do jornalismo ideológico, dos diários de opinião”. Nesta época, existem, em Portugal, vários partidos políticos e todos publicam o seu jornal. Ora, por vezes, a direcção dos jornais é confiada a políticos que deles fazem tribuna para a defesa das suas ideias.
Para mais, alguns dos mais conceituados jornalistas são também políticos que escrevem nos jornais em defesa dos seus interesses partidários ou pessoais, determinando o curso dos acontecimentos políticos e sociais. Estou a falar, entre outros, de homens como Magalhães Lima, fundador e director de O Século; Emídio Navarro que dirigiu o Novidades; França Borges, fundador e director de O Mundo; ou Brito Camacho, director de A Luta.
A verdade é que estamos no tempo dos chamados jornais políticos. Esta situação não é, aliás, exclusiva de Portugal. Em França, como acentua Thomas Ferenczi (L’Invention du Journalisme en France: 12), “a política esteve desde bastante cedo associada à Imprensa”. Aliás, um pouco por toda a Europa, mas especialmente em França, na Inglaterra e na Holanda, como sustenta João Figueira (Os Jornais como Actores Políticos: 27), o jornalismo afirma-se “através do cruzamento dos universos da cultura e da política”.
Evidentemente, há jornais de informação mais generalista, que se apresentam como detentores de uma maior objectividade e independência face aos poderes instituídos. Mas, mesmo assim, são jornais comprometidos com determinados interesses da sociedade. Este é, na verdade, um tempo do jornal comprometido. O jornalista é um elemento “activo e participativo” (João Figueira: 28). Alheio a conceitos como isenção e verdade, hoje elevados à categoria de sacramentos da profissão, o jornalista desta época não se limita a transmitir o que observa e escuta, antes acrescentando os seus próprios comentários e opiniões. O resultado é quase sempre não apenas um retrato da realidade mas uma complexa pintura.
4. JORNAIS DE INFORMAÇÃO GENERALISTA
Entre os jornais que se apregoam como independentes de partidos situa-se o diário lisboeta Diário de Notícias de que é director Brito Aranha. No entanto, sendo um jornal liberal moderado, tanto quanto possível respeitador do rigor da notícia, é, ainda assim, comprometido com os interesses da burguesia. No Diário de Notícias, o regicídio é noticiado na primeira página com o título “Morte D’ El-Rei e do Príncipe Real D. Luís Filipe”, precedido do antetítulo “Gravíssimo atentado contra a família real”. A manchete, em grandes parangonas, é seguida de uma entrada, paginada a toda a largura da primeira página e que remete para a página 2, onde o acontecimento é desenvolvido com grande pormenor. Na entrada, é registado o facto de se tratar do primeiro regicídio da nossa História, mas, curiosamente, recordando a existência de tentativas de atentados contra a vida de outros monarcas portugueses.
Comparando com outros atentados similares ocorridos no estrangeiro, o Diário de Notícias considera o regicídio “mais grave, uma vez que, em simultâneo, foi assassinado o rei e o seu filho primogénito”. Este jornal evoca também o sofrimento das duas rainhas, a esposa e a mãe de D. Carlos, que, além do mais, como frisa, sofrem “temerosas pelo destino incerto da pátria estremecida”, isto é, receiam as consequências políticas do atentado. Digamos, portanto, que o Diário de Notícias é, a par com O Século, um dos jornais que nos faculta uma das visões mais globais e, em certa medida, mais imparciais, do acontecimento.
O Século, jornal dirigido pelo republicano Sebastião de Magalhães Lima, seguramente o jornal mais popular do país e, por consequência, o diário de maior tiragem, escolhe para noticiar o atentado a manchete “Morte de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real”, precedida do antetítulo “Os últimos acontecimentos” e seguida do subtítulo “O Infante D. Manuel proclamado rei”.
Sem qualquer receio, O Século emite a sua opinião, considerando que “o momento é de imensa gravidade”, e salientando que ninguém pensa em ocultar a situação, porque – e estou a citar – “a nação portuguesa, consciente do perigo, sabedora da verdade, pasma de horror ante essa carnificina, que, num mar de sangue e em nuvens de medonho tiroteio, sacudiu rudemente o trono”.
Ainda na primeira página, e continuando na página 2, O Século publica diversos pormenores do acontecimento, nomeadamente o descarrilamento ocorrido na Casa Branca, a poucos minutos de Lisboa, o desembarque na estação, a recepção à família real e a sessão de cumprimentos, a numerosa assistência, as damas da corte, o Ministério, os primeiros tiros, até à confusão gerada no Terreiro do Paço quando todos tomam consciência de que o rei está morto e o filho está à beira da morte.
Por sua vez, a Ilustração Portuguesa, suplemento semanal ilustrado do jornal O Século, que tem como director Carlos Malheiro Dias, no dia 3, ainda publica as fotografias do rei e da família em Vila Viçosa, a verdejante vila alentejana, abrigada pela serra de Borba, antiga corte da Casa de Bragança, onde D. Carlos gostava de passar o Inverno, sobretudo dedicando-se a uma das suas actividades preferidas – a caça de veados, gamos e javalis, que abundavam na Tapada real. Conta a Ilustração Portuguesa que “nunca como neste mês de Janeiro de 1908, a corte se demorara tanto no palácio de Vila Viçosa, o mesmo donde, em 1640, os conspiradores trouxeram para o trono o então duque D. João II.
Só na edição da semana seguinte, que saiu a 10 de Fevereiro, a Ilustração Portuguesa começa a desfolhar o livro do atentado. A partir daí, dedicou várias edições à publicação de numerosas fotografias da família real em Vila Viçosa, algumas da autoria de D. Carlos, outras de D. Luís Filipe e outras ainda captadas pelo conceituado fotógrafo da época Joshua Benoliel, convidado habitual de D. Carlos para acompanhar as caçadas. A estas fotografias, seguem-se outras do atentado e, finalmente, páginas e páginas cheias de iconografias do regicídio.
5. JORNAIS REPUBLICANOS SEM COMENTÁRIOS
Os jornais assumidamente republicanos, como O Mundo, A Luta, e o Vanguarda, também noticiam o regicídio nas suas primeiras páginas mas utilizam especiais precauções. O Mundo, jornal dirigido por França Borges, um dos mais implacavelmente perseguidos pelo governo da Monarquia, dá conta do acontecimento com o título “Morte de El Rei e do Príncipe Real”, precedido do antetítulo “Atentado contra a família real no Terreiro do Paço, por ocasião do regresso de Vila Viçosa” e, de seguida, limita-se a reproduzir o breve texto publicado, na noite do dia do atentado, pelo jornal regenerador Novidades, abstendo-se de tecer quaisquer comentários, alegando “motivos fáceis de calcular”.
A Luta, jornal de Brito Camacho, dá também uma notícia breve sobre o regicídio e, na edição de dia 3, justifica esse facto com o “desencontro de informações” verificado no dia do atentado. Refere que “a emoção fácil de compreender e que originava tantos e tão opostos boatos, não permitia redigir […] uma notícia”. Assim se percebe que A Luta pretende ganhar tempo para averiguar o que se passou e definir então a sua estratégia de informação.
Já esclarecido e decidido, o jornal abre, no dia seguinte, a sua primeira página com uma afirmação de Ferreira do Amaral, intitulada “Um testemunho insuspeito”, reiterando que, em Portugal, “não existe […] estadista que tenha as condições de excepção exigíveis para poder imprimir, na orientação geral do país, um objectivo definido e certo no que respeita a ramo algum da actividade nacional e muito menos no que se refere à defesa das suas fronteiras e das suas colónias”. Depois, segue com o relato do atentado, da informação da entrega da cidade ao comando militar, das ruas patrulhadas pela força armada, do reconhecimento dos regicidas, da subida ao trono de D. Manuel II, das mais recentes resoluções do Conselho de Ministros, da constituição de um ministério de acalmação, bem como com a reprodução da nota oficiosa publicada, no dia seguinte ao atentado, pelo Diário do Governo. ~
Aliás, esta nota oficiosa, assinada por D. Manuel II, publicada pelo Diário do Governo, é integralmente reproduzida pela maioria dos jornais diários. Apesar de ser uma nota breve, reveste-se de especial relevância, dado que é a primeira manifestação pública de D. Manuel II. Do texto da nota sobressai muito mais do que a manifestação de pesar do jovem rei em face da morte do pai e do irmão. É um texto impregnado da personalidade de João Franco e das políticas da ditadura. Senão vejamos: para além do juramento habitual do novo rei e da garantia que o mesmo juramento seria ratificado, em breve, nas Cortes Gerais da Nação, a nota finaliza com a seguinte afirmação: “[…] declaro que me apraz que os actuais ministros e secretários de Estado continuem o exercício das suas funções”. Assim é transmitida, ao país, uma imagem de normalidade constitucional e de estabilidade governativa. Sabemos, hoje, ilusória.
O jornal Vanguarda, que se assume no seu próprio cabeçalho como republicano independente, noticia o atentado com precaução idêntica à adoptada por O Mundo e por A Luta. Sob a direcção de Magalhães Lima escolhe o título “Morte de D. Carlos e de seu filho D. Luís Filipe” e os subtítulos “A carruagem real é atacada - O infante D. Manuel é ferido - Populares mortos a tiro – Prisões – Proclamação do novo rei – Outros pormenores”. A seguir escreve: “Dada a circunstância anormal em que se encontra a Imprensa, especialmente a Imprensa republicana, e depois do decreto publicado ontem, limitamo-nos a recortar do nosso colega Novidades os pormenores acerca dos extraordinários e sensacionais acontecimentos de ontem”.
6. JORNAIS MONÁRQUICOS APELAM À COMOÇÃO
Como vemos, o Vanguarda refugia-se no decreto assinado em Vila Viçosa - publicado pelo Diário do Governo a 31 de Janeiro e pelos jornais diários a 1 de Fevereiro - para não relatar por palavras próprias o regicídio e, deste modo, não arriscar alguma das sanções previstas na nova lei franquista. Recordemos que este decreto acaba com as imunidades parlamentares e prevê a deportação para uma das províncias ultramarinas dos que atentem contra a segurança do Estado, a tranquilidade pública e os interesses gerais da nação. Ou seja, de todos os que abrissem a boca ou escrevessem nos jornais algo com que a ditadura não concordasse. Mais, o «decreto do desterro» - como ficará conhecido - contempla que as condenações sejam decididas pelo governo sem qualquer intervenção do poder judicial.
Os receios sentidos e cautelas exigidas aos jornais republicanos vigiados à lupa pela ditadura franquista, não fazem, no entanto, sentido para os jornais do regime como o Diário Ilustrado, regenerador liberal, franquista, dirigido por Álvaro Pinheiro Chagas. Assim, o Diário Ilustrado enche a sua primeira página com aquilo que denomina como “Infame atentado”, seguido do título “Assassinato de sua majestade El Rei D. Carlos e de Sua Alteza o Príncipe Real”, incluindo ainda o subtítulo “Proclamação de El Rei D. Manuel”. O diário franquista escreve, na primeira página, um longo texto em que considera este atentado como “um dos mais hediondos e infames atentados de que reza a história de todos os povos”.
Seguidamente, o Diário Ilustrado elucida o seu público, enfatizando que “o momento é para chorar o rei benigno, valoroso, amigo, apaixonado da sua pátria e do seu povo, de cujas glórias fazia um culto, e cujas prosperidades eram do seu espírito o constante e supremo cuidado”. Quanto ao príncipe D. Luís Filipe, retrata-o como uma “pobre e inocente vítima de uma fúria canibalesca, […] que ainda antes de provar as suas aptidões de reinante foi imolado aos instintos abomináveis de criaturas que uma aberração da natureza colocou entre a espécie humana”.
Evocando o sentimento de dor da rainha enquanto viúva e mãe, provavelmente para despertar a compaixão das mulheres portuguesas, o Diário Ilustrado frisa que o momento “se é de inenarrável dor, é também de molde a exacerbar em todos o sentimento sempre vivo do mais dedicado patriotismo”. Em resumo, conclui que D. Manuel “tem em volta do seu trono a dedicação, o amor e o apoio decidido de todos os portugueses dignos de tal nome”.
A Nação, jornal monárquico miguelista, dirigido por Franco Monteiro, sabe que, num país como Portugal, no início do século XX, pode mobilizar os populares, pelo que escolhe um título apelativo: “Horroroso crime”, ao qual acrescenta um texto à dimensão de toda a página, no qual refere que “nos anais da História portuguesa escreveu-se uma página nova nas suas consequências e única nos seus efeitos tão nefastos como selvagens”. Num gesto de apelo à união dos portugueses, sublinha: “Estamos todos de luto. A tragédia de sábado feriu-nos a todos. Nem há já arraiais políticos: há homens, há corações. Não há a dor de uma família augusta: há o sentimento de uma nacionalidade inteira”.
CONCLUSÃO: INFORMAÇÃO IDEOLOGIZADA
Em suma, as manchetes e as primeiras páginas do regicídio aqui analisadas, à semelhança de tantas outras manchetes e primeiras páginas publicadas em dezenas de jornais diários no domingo 2 de Fevereiro (1908), desnudam a História de Portugal deste período diante dos nossos olhos. A Imprensa, apenas a preto e branco, com muito reduzido recurso a fotografias ou iconografias, revela-se, ainda assim, diante de nós, como extraordinariamente poderosa.
É uma Imprensa que relata o acontecimento, transmitindo as informações com assumida parcialidade, omitindo, por vezes, algumas informações; dando, outras vezes, opinião sobre o acontecimento e suas consequências; enfim, é uma Imprensa que apresenta uma narrativa que visa influenciar a formação da opinião pública - uma opinião pública que, à época, é, naturalmente, muito restrita.
É, também, uma Imprensa que utiliza uma narrativa denunciadora, por um lado, da existência de uma censura institucionalizada e de um controlo dos jornais, mas, por outro lado, reveladora da persistência de uma luta militante travada em nome de interesses políticos, de ambições pessoais e da liberdade de Imprensa.
A linguagem dos jornais diários portugueses evidencia que a Imprensa está ainda, nesta época, ligada à política. Ao lado dos comícios públicos, como sustenta José Tengarrinha (História da Imprensa Periódica Portuguesa: 240) é a Imprensa “a tribuna mais incisiva e de mais profundo efeito, preparando os espíritos para o movimento que eclodiria vitoriosamente em 5 de Outubro”.
A informação é, portanto, assumidamente ideologizada. A linguagem maniqueísta, a escrita adjectivada, a opinião e informação misturadas no mesmo texto, a forma notória como se expõem os adversários políticos de cada jornal, assim como a utilização de fontes anónimas concordantes com a linha editorial do jornal e a concessão do direito à palavra exclusivamente a personalidades identificadas com o pensamento do jornal, isto é, o conjunto de elementos que João Figueira (Os Jornais como Actores Políticos: 215) encontra nos jornais portugueses no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, caracteriza na perfeição o jornalismo existente aquando do regicídio.
BIBLIOGRAFIA CITADA LEMOS, Mário Matos e, Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário, Ariadne, Coimbra, 2007.
FIGUEIRA, João, Os Jornais como actores políticos, MinervaCoimbra, Coimbra, 2007.
FERENCZI, Thomas, L´Invention du Journalisme en France, Petite Bibliothèque Payot, Paris, 1996.
TENGARRINHA, José, História da Imprensa Periódica Portuguesa, Caminho, Lisboa, 1989.
TENGARRINHA, José, Imprensa e Opinião Pública, MinervaCoimbra, Coimbra, 2007.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

DO 28 DE JANEIRO (1908) AO REGICÍDIO

O PENÚLTIMO INVERNO DA MONARQUIA
Por Noémia Malva Novais
INTRODUÇÃO
Há 100 anos, na tarde de sábado, primeiro dia de Fevereiro, o rei D. Carlos foi assassinado no Terreiro do Paço, em Lisboa, poucos minutos depois de ter regressado de Vila Viçosa, onde estivera, durante o mês de Janeiro, entregue àquela que era uma das suas paixões: a caça. Com ele, foi igualmente morto a tiro o filho mais velho D. Luís Filipe e ferido o filho mais novo D, Manuel. Este tornou-se rei. A Monarquia sobreviveu, mas por pouco tempo, porque há muito que a palavra dos republicanos era seguida como se fosse palavra de evangelho. Assim, a República chegou, pouco mais de dois anos depois, sem sobressaltos, e quase sem derrame de sangue.
Até hoje, os investigadores dividem-se entre a teoria da conspiração e a tese de que se tratou de um acto isolado de dois membros da Carbonária. Na verdade, não se provou ainda que houvesse uma conspiração para matar o rei. O que havia era uma conspiração para assassinar o presidente do Conselho de Ministros, o ditador João Franco. Os regicidas Buíça e Costa, como não conseguiram apanhar o ditador, desesperaram e atiraram sobre a família real. Logo, o regicídio foi um acto isolado de dois fanáticos carbonários que decidiram, no momento, substituir as balas de papel (artigos na Imprensa) por balas verdadeiras.
A contagem decrescente para o regicídio começou com o Ultimatum inglês (1890) e prosseguiu com a falhada revolta do Porto (31 de Janeiro 1891) mas teve um marco decisivo na dissidência de José Maria de Alpoim, em 1905, do Partido Progressista. Apesar da primeira dissidência digna de relevo ser a de João Franco, que, em Maio de 1901, se incompatibilizou com o Partido Regenerador e criou o Centro Regenerador Liberal, que se assumiu como alternativa ao sistema rotativista e que, curiosamente, chegou a entender-se com os republicanos no Parlamento. Porém, João Franco fez o seu percurso nas fileiras monárquicas, enquanto José Maria de Alpoim conspirou com o Partido Republicano.
1. ALPOIM: DA VALSA ROTATIVISTA AO COMITÉ REVOLUCIONÁRIO
José Maria de Alpoim, conselheiro de origens na pequena aristocracia, dançava a valsa rotativista, acertando o passo como, e com quem, se ajeitava melhor. Revelando pouca convicção monárquica, Alpoim observava atentamente a acção republicana na Imprensa, nos comícios, nas homenagens aos seus caudilhos, deixando perceber que estava pronto a alinhar com os republicanos no combate à Monarquia. É por isso que rombo feito por José Maria de Alpoim é o que mais abala as instituições monárquicas.
Os republicanos souberam aproveitar a paixão dos que gravitavam à volta de Alpoim. E Alpoim, cego pela ânsia de poder, enveredou abertamente pela conspiração, elegeu o regime monárquico como seu inimigo figadal, e, finalmente, em Maio de 1907, sendo convidado a integrar o Comité Revolucionário destinado a derrubar, a prazo, a Monarquia e a instaurar a República, aceitou. Tornou-se companheiro de luta de Afonso Costa (e outros) e, consigo, levou o seu velho amigo Francisco Correia de Herédia, mais conhecido por Visconde da Ribeira Brava.
Por esta altura, falia a coligação liberal de João Franco e José Luciano de Castro. A única saída constitucional para a crise suscitada pela ruptura da coligação era a da queda do governo e a da eventual realização de eleições. Mas João Franco, como considera o historiador Amadeu Carvalho Homem, “gozava da indefectível confiança régia”, pelo que D. Carlos iria apoiar o seu avanço para a ditadura. Como, então, observa o prestigiado jornalista republicano João Chagas, o rei governava “contra todos os partidos e homens que o serviram”, provocando, de dia para dia, um aumento da sua própria vulnerabilidade.
Neste contexto, João Franco, acusado de ter “um orgulho desmedido e um temperamento tempestuoso”, em nada contribuia para a desejada acalmação, porquanto não dava tréguas ao republicanismo, combatendo-o sem qualquer diplomacia. Para mais, o evangelho revolucionário de João Chagas, Magalhães Lima, Basílio Teles, Guerra Junqueiro ou França Borges, começava a ter um séquito de fiéis seguidores. Mesmo os mais indecisos eram atraídos pelos dotes oratórios de agitadores como António José de Almeida ou Afonso Costa.
2. MAÇONS, MONÁRQUICOS, REPUBLICANOS E CARBONÁRIOS
A ditadura administrativa de João Franco, inequivocamente apoiada por D. Carlos, a campanha pré-revolucionária dos republicanos na Imprensa, o sucesso dos comícios republicanos, a elevação de alguns republicanos, como Bernardino Machado, ao estatuto de heróis, o rastilho da conspiração lançado nos quartéis, o odor da revolução sentido nos bairros populares lisboetas, mostram o caminho ao Grão Mestre da Carbonária Portuguesa - Luz de Almeida percebe que é chegada a hora de reactivar a Carbonária e espalhar, sem mais demora, a semente da revolução. Luz de Almeida reorganiza a Carbonária Portuguesa (criada em 1896-97 a partir da Maçonaria Académica) e define-a como uma “legião de revolucionários, firmemente resolvidos a sacrificar tudo, inclusive a própria vida, para precipitar a queda da Monarquia”. Entre os seus «bons primos» - assim se tratavam entre si os membros da Carbonária – contam-se António Maria da Silva e Machado Santos.
Como sobressai da leitura de Jorge Morais, no seu recente estudo sobre o Regicídio, a intenção de Luz de Almeida, simultaneamente maçon, com assento no Conselho da Ordem, no Grande Oriente Lusitano, é, claramente, superiorizar-se à Maçonaria e ao Partido Republicano e, finalmente, implantar a República. Porém, se, para Luz de Almeida, é difícil controlar as duas facções que coexistem no seio da sua associação secreta – a facção republicana e a facção anarquista -, é-lhe impossível saber o que andam a fazer os membros de outra organização carbonária que opera em Portugal – a Carbonária Lusitana. Esta, que tem como Grão Mestre Heliodoro Salgado, embora tenha poucos elementos, é mais radical, integrando-a, nomeadamente, alguns dos fabricantes de bombas de Lisboa, a quem os republicanos recorrem desde então (1907) e até 1910.
Mas voltemos ainda, por instantes, à relação de Luz de Almeida com a Maçonaria, porquanto este facto tem conduzido alguns estudiosos à conclusão de que, no seio do Grande Oriente Lusitano, existia uma atmosfera favorável à revolução. Aliás, alguns investigadores, apoiando-se no facto de maçons ilustres militarem nas fileiras republicanas e de altos dirigentes republicanos integrarem o Grande Oriente Lusitano, e ainda, por alguns maçons serem simultaneamente carbonários, sugerem que a Maçonaria conhecia e protegia o plano de eliminação dos governantes e, quiçá, da família real.
Soa improvável, porque um plano desta natureza ia contra o ideário maçónico. Mais, a acção do Grande Oriente Lusitano não se resume a contactos com os carbonários desejosos de sangue. Os maçons reuniam também com os republicanos de cartola - aqueles que defendiam a via eleitoral para derrube da Monarquia; com os monárquicos de todos os quadrantes – regeneradores, progressistas, dissidentes progressistas e até franquistas; Mais ainda, o Infante D. Afonso, irmão de D. Carlos, era maçon e não parece aceitável que quisesse eliminar a sua própria família. Oliveira Marques, nos seus estudos reconhecidos sobre a Maçonaria, desvenda este eventual enigma quando esclarece que, embora a grande maioria dos maçons se tivesse rendido já ao ideal republicano, “existiam, sem dúvida, maçons monárquicos”.
É evidente que, nas principais lojas lisboetas da Maçonaria, como a Loja Montanha, pontificavam maçons que admitiam o recurso a acções revolucionárias contra as instituições monárquicas. Aliás, o ambiente convulsivo de Lisboa, e do país, convidava a conspirar e chamava à revolução. Porém, as lojas da Maçonaria não eram precisas, nem aconselháveis, para o efeito. As reuniões dos conspiradores de todos os quadrantes políticos e ideológicos ocorriam em ruas desertas, a horas tardias, ou em descampados, nas águas furtadas da casa de um conspirador mais destemido ou mesmo num gabinete da sede do jornal O Dia, do Dissidente Progressista José Maria de Alpoim. Contudo, é evidente que existia uma espécie de rede de comunicações entre maçons, monárquicos, republicanos e carbonários.
3. FRANCO CALA A IMPRENSA MAS NÃO IMPEDE A CONSPIRAÇÃO
Ainda assim, seis meses antes do 28 de Janeiro (de 1908), a polícia lisboeta ignorava que se movimentavam já na capital vários grupos civis e duas carbonárias concorrentes mas com um mesmo objectivo: derrubar a Monarquia. Não admira, por isso, a reacção de surpresa da polícia de Lisboa quando, em Agosto de 1907, acontece uma explosão acidental, que provoca a morte de uma pessoa e ferimentos em outras duas, todas eventualmente carbonárias, que se dedicavam ao fabrico artesanal de bombas. Esta explosão é o primeiro sinal denunciador de actividade revolucionária entre nós. O próprio João Franco reconhece-o. O Infante D. Manuel também, tanto que o denomina, no seu diário, como “primeiro sintoma”.
Como cinquenta anos mais tarde escreverá Aquilino Ribeiro, “a revolta incubava na longa penumbra das águas furtadas”. “Conspirava-se por todos os cantos, segredavam-se instruções, as reuniões secretas de oficiais tornavam-se mais frequentes, as lojas dos armeiros esvaziavam-se como por encanto” (Jorge de Abreu: 20). “Sabia-se que em poder dos revoltosos, disseminados pela cidade, nas proximidades dos quartéis e nos pontos estratégicos das passagens forçadas das tropas, existiam quartos que outra coisa não eram senão depósitos de bombas […]” (Carlos Malheiro Dias: 490-491).
Veja-se o caso de Aquilino Ribeiro que, em Novembro de 1907, a pedido de Luz de Almeida, recebeu, no seu quarto alugado da Rua do Carrião, dois caixotes de material destinado ao fabrico artesanal de bombas. Ali mesmo, dois carbonários – Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos – morreram, devido a uma explosão verificada enquanto fabricavam umas quantas bombas. Aquilino Ribeiro foge pelo meio da multidão que, ouvindo o estrondo, se concentra na rua mas é avistado pela polícia. Escapou da morte mas não se livrou da prisão. (Por pouco tempo, porque conseguiu evadir-se da esquadra do Caminho Novo numa madrugada chuvosa de um domingo dos inícios de Janeiro (dia 12) de 1908.
Entretanto, D. Carlos, a quem nem republicanos nem monárquicos perdoam o facto de ter confiado a João Franco o destino da pátria, bem como ter deixado o Chefe do Ministério regularizar por decreto os adiantamentos à Casa Real, perde os aliados que ainda lhe restam entre os partidos rotativistas. Com a morte de Hintze Ribeiro, o Partido Regenerador passa a ser comandado por Júlio de Vilhena, o qual tenta entender-se com os líderes do Partido Progressista e da Dissidência Progressista, respectivamente José Luciano de Castro e José Maria de Alpoim, a fim de forçarem a abdicação de D. Carlos a favor do Príncipe Real D. Luís Filipe. Acabam por não conseguir mas deixam a olho nu o estado de adiantada decomposição em que se encontra o sistema político.
Neste contexto, de um país sem Parlamento, a Imprensa, vigiada à lupa pela ditadura franquista, reforça o seu poder. Podemos mesmo considerar que um facto político só o é mesmo depois de ter sido publicado nas colunas dos jornais diários. Assim sendo, o mesmo João Franco que amnistia os crimes de Imprensa quando chega ao poder em Maio de 1906, desencadeia uma repressão sem precedentes sobre as empresas proprietárias dos jornais, os directores e os jornalistas, que culmina com julgamentos de jornais e jornalistas, aplicação de multas e várias suspensões de diários como O Mundo, O País, O Popular, Vanguarda, A Época, Correio da Noite, O Liberal, O Primeiro de Janeiro, A Voz Pública, O Dia e o Jornal do Comércio.
João Franco não é o primeiro governante português, nem será, evidentemente, o último, a pretender calar a Imprensa. Porém, os revolucionários, republicanos ou monárquicos, não se deixam intimidar e não baixam a guarda. Por isso, entre Abril de 1907 e Janeiro de 1908 sentam-se no banco dos réus numerosas personalidades, entre as quais se destacam, por lá se terem sentado mais de uma vez, Guerra Junqueiro, França Borges, Artur Leitão, Brito Camacho, Magalhães Lima, António José de Almeida, José do Vale e Meira e Sousa.
4. “MANDA QUEM PODE”, CONSPIRA QUEM DEVE
Enquanto em Portugal vigora esta lei, que Júlio de Vilhena crismou, em evidente associação à «ignóbil porcaria» baptizada por João Franco, como «ignóbil ferrolho», no estrangeiro, os jornais escreviam sobre a difícil situação política, económica e financeira de Portugal. É nesse contexto que o jornal Le Temps publica uma entrevista com D. Carlos, na qual o rei enaltece a política franquista. Diz o rei, entre outras coisas, que “[…] Precisava de uma vontade sem fraqueza para conduzir as minhas ideias a bom caminho. Franco era o homem que eu desejava. De há muito que o tinha em vista. No momento oportuno, chamei-o”. A entrevista é, seguidamente, publicada, em Portugal, pelo Diário Ilustrado. É como se a sorte grande tivesse saído aos republicanos. De uma assentada, o rei rompia a norma constitucional, interferia na governação e assumia as repressivas medidas franquistas como suas.
A partir deste momento, como reflecte Amadeu Carvalho Homem na sua obra Da Monarquia à República, “a impopularidade da família real e dos seus círculos mais chegados atingiu tais cúmulos que um plumitivo de baixo nível cultural e moral, [de seu nome] António de Albuquerque de Meneses e Lencastre, pode publicar anonimamente um romance-panfleto infamante para o Paço, intitulado O Marquês da Bacalhoa, sem que se tivesse levantado um coro imenso de vozes indignadas”. Simultaneamente, a organização revolucionária, dirigida especialmente pelo Partido Republicano e pela Dissidência Progressista, apoiada no terreno pela Carbonária, “avança[va] a um ritmo avassalador” (Amadeu Carvalho Homem: 133).
O movimento revolucionário, que germinara após a dissolução inconstitucional da câmara dos deputados, primeiro através da organização revolucionária dos republicanos, e, posteriormente, através da acção dos liberais, sem distinção de partidos, em torno da bandeira da resistência a uma tirania que - como escreve o jornalista Cunha e Costa, na Ilustração Portuguesa - “deixou a perder de vista as máximas violências da repressão cabralista”, aumenta à medida que, uma a uma, desaparecem todas as liberdades políticas, apenas restando, como, então, apregoa Bernardino Machado, a liberdade de ódio.
A ditadura reforça a resposta policial mas, mesmo assim, o movimento revolucionário ganha força, quase explodindo quando o ministro da Justiça Teixeira de Abreu declara a um jornalista que “manda quem pode”. Esta afirmação congrega cada vez mais cidadãos em torno do movimento revolucionário. A conspiração alastra. Conspira-se nas ruas, nas praças, nas lojas, nos quartéis, em terra e no mar” (Cunha e Costa). Em suma, todo o país é uma vasta conspiração.
5. PRISÃO DE REPUBLICANOS AGENDA GOLPE PARA 28 DE JANEIRO
Perante este cenário, a 21 de Janeiro (1908), o governo franquista lança mais lenha para a fogueira. Sem mais delongas, depois de prender Luz de Almeida, manda prender João Chagas quando jantava na Charcuterie Française da Rua do Carmo e França Borges quando saía do seu jornal na Rua de S. Roque. Na manhã seguinte, manda também prender Alfredo Leal e António José de Almeida à saída de suas casas. O governo tinha, finalmente, compreendido que havia um movimento revolucionário em marcha, decidido a apenas parar quando conseguisse derrubar a Monarquia e implantar a República. Julgava, no entanto, jugular a revolução com a detenção dos principais organizadores. Porém, estas prisões, sob a acusação de conspiração, colocam o golpe na agenda de 28 de Janeiro (1908) e Afonso Costa no comando do movimento revolucionário.
A 27 de Janeiro, o Partido Republicano distribui um manifesto contra a política de perseguição do governo franquista, declarando que a intenção dos republicanos “é suprimir as opressões e não os homens do regime”. Em reacção a este manifesto republicano, o governo manda fazer buscas domiciliárias sucessivas e decreta a prevenção nos quartéis e na polícia. Entretanto, o boato de que João Chagas morrera na prisão anda de boca em boca, aumentando a fúria de muitos populares para quem João Chagas é intocável.
É então que o plano operacional da revolução, que conheceu várias versões - uma revolta popular canalizada para o Terreiro do Paço, um ataque armado ao Conselho de Ministros ou um assalto ao Paço – recebe o seu aval político final. Numa reunião decorrida em casa de Luís Grandela, Afonso Costa e o Visconde da Ribeira Brava decidiram que o plano adoptado era o que visava assassinar o ditador. José Maria de Alpoim deveria tomar posição no elevador da Biblioteca, a partir do qual, na companhia de Afonso Costa e dos populares, deveriam assaltar a Câmara Municipal e implantar a República.
A 28 de Janeiro, corre o boato de que o conflito vai estoirar. Assim estava programado. José Maria de Alpoim assume a sua posição com João Pinto dos Santos, Egas Moniz e outros. Entretanto chegam Afonso Costa, o Visconde de Pedralva e outros mais. Durante toda a tarde, esperam sinal da revolução mas nada sucede. Começam a sentir que a revolta fracassara mas, nada podendo fazer, mantém-se no elevador. Enquanto isso, alguns elementos da Carbonária rumam à Avenida da Liberdade, pela qual o ditador deveria passar no regresso a casa ao final da tarde. Porém, João Franco andava há três dias numa correria entre a sua casa e a casa da sua sogra e, no dia 28 decide ir dormir ao governo civil.
No elevador da Biblioteca, os conspiradores continuam a aguardar por notícias mas já percebendo que a revolta fracassara. Pouco depois das 22 horas, a polícia, sabendo que a essa hora o elevador não funcionava – parava às 21 horas e nesse dia parou às 18 -, descobriu Afonso Costa e o Visconde da Ribeira Brava numa dependência do elevador da Biblioteca, ao Chiado, com as mãos num conjunto de revólveres, punhais e carabinas. Daí em diante, o movimento revolucionário de 28 de Janeiro (1908) fica conhecido como a «intentona da Biblioteca».
Quase em simultâneo, os populares envolvem-se em conflitos com a polícia na proximidade de diversas esquadras da capital. No Rato, um polícia é morto e outro ferido. Ouvem-se tiroteios rápidos em vários pontos da cidade. Num quartel são detidos dois homens na posse de bombas. Pouco depois da meia-noite, Egas Moniz, que acabara de chegar a casa, é preso. Já de madrugada, Afonso Costa e o Visconde da Ribeira Brava são interrogados e conduzidos ao quartel de Cabeço de Bolla; Egas Moniz é transportado para o quartel dos Loyos; cerca de uma centena de detidos – maioritariamente médicos, jornalistas e comerciantes – são levados para o Forte de Caxias. As rusgas prosseguem ao longo da madrugada.
Estranhamente, depois desta convulsão nocturna, Lisboa amanhece calma. Mas, por pouco tempo. A polícia tem em mãos diversos mandados de captura visando diversas personalidades dissidentes progressistas que teriam sido avistadas nas imediações do elevador da Biblioteca. É preso o deputado João Pinto dos Santos à saída de sua casa. Os seus correligionários Visconde do Ameal e Visconde de Pedralva conseguem fugir para Espanha. A casa de José Maria de Alpoim é cercada pela polícia mas este já fugira de Lisboa. Entretanto, são encontradas armas, munições e bombas perto dos quartéis de Cabeço de Bolla e de Santa Bárbara. De seguida, alguns oficiais e sargentos são presos. Como escreve também Cunha e Costa, é evidente que havia “uma conspiração da nação armada contra a ditadura”, mas é igualmente claro que a conspiração fora jugulada.
6. O «DECRETO DO DESTERRO»
Contudo, a ditadura pretendeu castigar exemplarmente os revoltosos encarcerados. No dia seguinte à revolta malograda (29 de Janeiro), o temperamento tempestuoso de João Franco torna-se mais evidente do que nunca. Com as prisões e os fortes cheios de suspeitos, o ditador apressa-se a reunir o seu Conselho de Ministros, na sua casa da Rua Alexandre Herculano, e a redigir um decreto que acaba com as imunidades parlamentares e prevê a deportação para uma das províncias ultramarinas dos que atentassem contra a segurança do Estado, a tranquilidade pública e os interesses gerais da nação. Mais: o decreto contempla que as condenações sejam decididas pelo governo sem qualquer intervenção do poder judicial.
O «decreto do desterro» - como ficará conhecido – foi levado, no dia 30, em mão, pelo ministro da Justiça Teixeira de Abreu, a Vila Viçosa, onde o rei se encontra, nas suas habituais caçadas de Inverno. João Franco pretende que o rei assine o decreto a tempo de o publicar e fazer entrar em vigor a 31 de Janeiro, data do aniversário da revolta do Porto (31 de Janeiro de 1891), um acontecimento emblemático para os republicanos.
Assim foi. Sábado, 1 de Fevereiro, os jornais publicam o decreto nas primeiras páginas. Lisboa desperta, como habitualmente, com os pregões dos ardinas. A notícia causa assombro. Todos se interrogam se D. Carlos regressa a Lisboa nesse mesmo dia, como fora anunciado. Os mais avisados pensam que soa a provocação. D. Carlos tem consciência da gravidade do decreto assinado em Vila Viçosa. Como relata a Ilustração Portuguesa, ao desembarcar, dirige-se a João Franco e pergunta pela situação na capital. O ditador responde que está calma. Garante, assim, a segurança ao rei que é assassinado, conjuntamente com o príncipe real D. Luís Filipe, cerca de 100 passos depois, no Terreiro do Paço.
CONCLUSÃO
D. Manuel II escreverá, quatro meses depois da tentativa de revolução falhada de 28 de Janeiro e do Regicídio: “Na capital estava tudo num estado de excitação extraordinária: bem se viu no dia 28 de Janeiro, em que houve uma tentativa de revolução, a qual não venceu. Nessa tentativa estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28 que o ministro da Justiça Teixeira de Abreu levou a Vila Viçosa o famoso decreto que foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência ter rubricado nesse dia de aniversário da revolta do Porto. […] Já estavam presas diferentes pessoas políticas importantes. António José de Almeida […], João Chagas […] e outros”.
E prossegue: “Eu estava em Lisboa quando foi o 28 de Janeiro; houve uma pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos ministros que eu gostava de saber um pouco o que se passava, porque [Lisboa] estava num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me então uma carta, que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta dizia-me que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!”.
Com efeito, podemos afirmá-lo, foi esta cegueira da ditadura que desencadeou o movimento revolucionário de 28 de Janeiro (1908) e armou os braços dos regicidas.
BIBLIOGRAFIA
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sexta-feira, dezembro 07, 2007

A Grande Guerra e a falência da República

Por Noémia Malva Novais
INTRODUÇÃO
Se considerarmos, como Fernando Rosas, que o século XX português se estrutura, no que se refere à sua história política, em três ciclos fundamentais – o longo ciclo da crise final do sistema liberal-oligárquico (1820-1926), o ciclo do autoritarismo (1926-1974) e o ciclo da democracia (após 1974), situar-nos-emos, para os objectivos deste trabalho, no primeiro dos ciclos, especificamente no período da I República, e deter-nos-emos, especialmente, na problemática da Grande Guerra, porquanto estamos em crer que a intervenção de Portugal na guerra, e o seu desenlace, definido na Conferência da Paz, foram decisivos para a falência da República.
A República nascera em 1910 como uma espécie de ideia convertida em sonho, com “estranhas ressonâncias na alma do povo”, que lhe augurava “um futuro de grandeza nacional, cimentado nos princípios da liberdade e da democracia”. Bastou que em Lisboa se proclamasse a República para que quase todo o país aderisse. Como previra João Chagas, “na província, a República foi “implantada por telégrafo”.
Herdeira da cultura política resultante do Ultimatum (1890), caracterizada essencialmente por uma espécie de medição de forças, primeiro entre monárquicos e republicanos, depois entre facções republicanas, a República acabou por se tornar num dos mais longos períodos de instabilidade política e social da história contemporânea de Portugal. Em 1914, quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu, a República viveu um momento difícil, que proporcionou à opinião pública da época – uma opinião pública restrita, evidentemente – o conhecimento das lutas político-partidárias dos principais intervenientes na discussão acerca do futuro próximo de Portugal.
Na verdade, a deflagração da guerra surpreendeu todos. O efeito da surpresa não foi, no entanto, o mesmo em todos os sectores da vida nacional. As principais forças políticas portuguesas tiveram reacções diferentes face ao conflito armado. Intervencionistas e anti-intervencionistas defrontaram-se no Parlamento e na imprensa, procurando influenciar a opinião pública face à guerra em que, dois anos mais tarde, Portugal haveria de participar activamente.
A questão de intervir ou não na guerra foi, assim, “o grande pomo da discórdia da primeira República”. Existiam duas correntes de opinião: os intervencionistas (guerristas), apoiantes da entrada imediata de Portugal na guerra, uns partidários dos aliados, outros da Alemanha (estes “uma ínfima minoria, sem qualquer peso no país: era o caso de alguns monárquicos”); e os anti-intervencionistas (antiguerristas), defensores da não intervenção do país no conflito armado.Para os primeiros, a participação na guerra ao lado da Inglaterra “reanimaria a velha aliança e quebraria o isolamento de Portugal”. Os principais defensores desta orientação eram os republicanos democráticos que constituíam a maior força política do país e dominavam o aparelho de Estado. Os anti-intervencionistas defensores da neutralidade, eram, sobretudo, os monárquicos, os republicanos unionistas, alguns sectores do exército e a maioria do país “que se opunha naturalmente à participação num conflito cujas causas lhe escapavam”.
A estratégia intervencionista “assumia a defesa de interesses nacionais e objectivos de ordem externa […] como a garantia da integridade colonial em África, a soberania nacional face à Espanha e a conquista do prestígio internacional do regime”. Mas “perseguia igualmente objectivos de ordem interna” e aproveitou a conjuntura internacional criada pela guerra, acreditando que “só uma ameaça externa e uma intervenção militar na guerra em larga escala poderia justificar o sacrifício de todas as fracturas e facções internas em função do interesse e da unidade nacional”.
Desde o início da guerra, os intervencionistas tiveram, no entanto, de enfrentar “uma corrente tenaz na sua oposição e uma enorme maioria do país que não podia compreender o sacrifício que lhe era pedido de acudir aos campos de batalha”. O seu argumento de base era o de que no intervencionismo “ia denunciar-se uma acção unilateral, que nem o conteúdo específico da aliança inglesa, nem a vontade expressa de Londres reclamavam”.
Perante esta demonstração da instabilidade que se instalou no país e que impediu a coesão nacional necessária perante as dificuldades decorrentes da guerra, a situação interna e externa de Portugal acabou por ser qualificada como de decadência ou de decomposição. Os países mais fortes da Europa, nomeadamente a Inglaterra, a França e a Alemanha, mediam a agonia de Portugal como mediram a da Turquia. Do lado espanhol, aguardava-se que, perdidas as colónias, Portugal perdesse a sua razão de ser, a sua categoria de estado soberano, para a Espanha se poder apresentar como a legítima herdeira do espaço geográfico português. Até já se tinham estudado os argumentos: dir-se-ia que Portugal encontraria na união com o país vizinho a sua salvação.
Mas, na realidade, a situação de Portugal interessava também a Inglaterra. A Espanha, consciente do interesse inglês, moveu-se sempre em estreita ligação com a Inglaterra. De modo que, durante a guerra, a Espanha, que se declarara neutral desde o início, arvorando-se em eventual medianeira na hora da paz, continuou o debate acerca do futuro da beligerante República portuguesa. Nesta fase, o problema da decadência da República ganhou especial interesse para os espanhóis partidários da Alemanha, porquanto Portugal decidira participar na guerra ao lado dos aliados. Se os aliados perdessem a guerra, Portugal perderia as colónias. A Espanha acreditava que, sem o império colonial, as finanças arruinadas pelo esforço belicista e a população nas ruas a exigir melhores condições de vida, Portugal desintegrar-se-ia e a Alemanha seria uma aliada indiscutível da Espanha na hora da união ibérica.Esta campanha iberista produziu uma intensa reacção em Portugal, reanimando o espectro do perigo espanhol, imediatamente aproveitado para fins claramente partidários. Os monárquicos acusaram que os desvarios da República alentavam, de novo, a questão ibérica, ao mesmo tempo que defenderam que a monarquia era a solução lógica para a falência do regime vigente. Os republicanos, sobretudo os democráticos, fizeram eco na imprensa republicana da sua oposição à ditadura de Pimenta de Castro (1915), considerando que antes dela as nossas relações internacionais eram as melhores, razão pela qual a ameaça espanhola estava, pelo menos, calada.
As intenções espanholas, devidamente exploradas por republicanos e monárquicos, despertaram um clima de temor entre a opinião pública portuguesa. Este temor só acalmou depois da revolução de 14 de Maio de 1915, mesmo assim, nunca foi apagado. Mas será que Portugal corria um risco efectivo de perda da sua independência? A opinião pública aceitava a ameaça. Os políticos sentiam o perigo, exploravam-no habilmente e acabaram por apresentar a participação de Portugal na guerra ao lado da Inglaterra, no cumprimento da velha aliança, como a única garantia de independência.
Na verdade, a conjuntura bélica acabou por conduzir os governos dos dois países ibéricos à defesa da necessidade de manutenção de relações amistosas. Portugal decidiu envolver-se na Grande Guerra, mobilizou cerca de 100 mil homens, dos quais perdeu cerca de 10 mil e viu regressar alguns milhares de feridos. A Grande Guerra gerou uma catástrofe nacional: os custos económicos e sociais foram muito superiores à capacidade nacional; os objectivos intervencionistas foram gorados na totalidade; a unidade nacional não foi alcançada e a instabilidade política aumentou de intensidade.
É, por isso, que os estudos produzidos pela historiografia portuguesa contemporânea concordam, de um modo geral, em que a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, decorrida entre 1914 e 1918, foi o golpe final na República. Contudo, há algumas vozes discordantes. O historiador António Reis, por exemplo, escreveu recentemente a sua posição relativa a esta matéria, concluindo que “a crise desencadeada pela participação de Portugal na Grande Guerra não foi uma crise fatal”. Ora, na verdade, no final da guerra, assistiu-se ao “súbito reforço do campo conservador e autoritário, com o trauma nunca superado do acidentalmente breve consulado sidonista”, viveram-se graves dificuldades económicas e financeiras, períodos de grande agitação social, intensificação da instabilidade governativa, circulando, na opinião pública, uma espécie de pensamentos em voz alta, sinónimos de uma certa tentação militarista.
Todos estes elementos caracterizadores da crise final da I República parecem enraizar-se na polémica e contestada decisão dos intervencionistas de conduzir Portugal ao palco europeu da Grande Guerra. O que tentaremos verificar, ao longo deste trabalho, é se existe mesmo uma relação de causa – efeito entre a intervenção de Portugal na guerra e a falência da República. No fundo, procuraremos aferir se a não intervenção no conflito armado teria salvo o regime republicano e descortinar até que ponto poderão existir, na política interna portuguesa, outros factores explicativos da queda da República. Para o efeito, cruzaremos os resultados das investigações produzidas pelos mais conceituados historiadores da História Contemporânea de Portugal com as conclusões da nossa própria investigação documental em sede do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
1. A INSTABILIDADE POLÍTICA
No final da Guerra, o ambiente de instabilidade política que assolou toda a Europa, atingiu Portugal de forma dramática. Na verdade, depois da implantação da República, foi a Grande Guerra que traçou “a marca mais profunda na sociedade portuguesa” da segunda década do século XX. Foi devido às dificuldades resultantes da intervenção portuguesa no teatro europeu das operações bélicas que foi possível o golpe de Sidónio Pais (5 de Dezembro de 1917) que, apesar de se ter traduzido num breve consulado (até 18 de Dezembro de 1918), abalou as instituições republicano-liberais, inaugurando uma época de instabilidade governativa sem precedentes (14 governos entre Maio de 1919 e Janeiro de 1922).
É claro que podemos recordar o falhanço da União Sagrada, que já tornara claro que nem um perigo comum era suficiente para unir os portugueses, e, nunca é demais lembrar a derrota da solução democrática de Afonso Costa, bem como o isolamento a que foi remetido, alegadamente devido à sua ânsia de levar Portugal à guerra. Qualquer destas situações, já evidenciara a existência de um clima conspirativo que minava a política da República. No entanto, o facto das Forças Armadas, que os intervencionistas afirmavam pretender dignificar com a intervenção na guerra, se terem dividido e terem desautorizado o poder político civil e auxiliado o golpe e a subida ao poder de Sidónio Pais, comprova que a guerra condicionou a vida do país.
Podemos reflectir que a subida ao poder de Sidónio Pais não provocou qualquer alteração da situação diplomática de Portugal, no entanto, não podemos deixar de frisar que o governo sidonista não se livrou das suspeitas internacionais de germanofilismo e iniciou “um novo rumo para a política de guerra, em particular no que respeita à vertente militar”.
1.1 A política de guerra sidonista
Logo em Janeiro (1918), Sidónio Pais assinou uma nova convenção com a Inglaterra, através da qual alterou a composição do Corpo Expedicionário Português (CEP), reduzindo-o a uma única Divisão, tacticamente dependente do governo inglês. Se “era grande o significado militar desta alteração, o significado político era ainda maior”. Para os militares do CEP, mais grave que a redução dos efectivos era a questão do roulement. Na prática, esta decisão de Sidónio Pais, para a qual contribuiu o corte de transportes pela Inglaterra, significou que deixou de se fazer a rendição do contingente e o reforço das tropas. Daí que seja vulgarmente aceite que a participação portuguesa na Grande Guerra foi “particularmente penosa no período sidonista. Foi neste período que Portugal sofreu as suas humilhações de guerra”.
As consequências desta política de guerra não se fizeram esperar. No campo de batalha, “o desgaste físico provocado por longos meses nas trincheiras, o corte das licenças, a dureza do Inverno, a crescente intensidade e frequência dos ataques inimigos e a falta de reforços, foram agravando o moral das tropas portuguesas”. Neste contexto, grassou a indisciplina e a deserção, de que resultou a condenação de quase 400 militares do CEP em 1918.
A situação das tropas portuguesas no front, a que não eram alheios os alemães, degradou-se ainda mais, a partir de Março de 1918, com a intensificação dos ataques inimigos. As deficientes condições do CEP eram tão evidentes que a Inglaterra decidiu retirá-lo da frente. A rendição estava marcada para o dia 9 de Abril. Porém, a intervenção da Inglaterra já não foi necessária. Os alemães bombardearam as tropas portuguesas, em La Lys, nesse mesmo dia 9, destroçando o exército português.
Portugal vivia sob o efeito das consequências directas desta política de guerra quando Sidónio Pais foi assassinado. O país mergulhou, imediatamente, numa profunda crise política. De acordo com o sistema presidencialista de Sidónio Pais, o Presidente da República deveria ser eleito por sufrágio universal e por um período de quatro anos, mas o Presidente da República Canto e Castro fora eleito pelo Parlamento e para cumprir o que restava do mandato de Bernardino Machado, que fora demitido aquando do golpe sidonista. Tratara-se de uma situação atípica que motivara mesmo João Chagas a apelidar Canto e Castro de “usurpador”.
Os republicanos capitalizaram rapidamente o apoio de muitos veteranos que se voltaram contra a ditadura sidonista. “Afinal haviam sido traídos pelos monárquicos que apoiaram os regimentos militares que se recusaram a partir para França”. Perante este cenário, o ano de 1919 começou, em Portugal, a “ferro e fogo”. Sidónio Pais confiara postos militares e cargos civis a monárquicos que, neste contexto, viram chegada a oportunidade para darem o salto definitivo e se apoderarem do poder pela força. Comandados por Paiva Couceiro, concretizaram o sonho que acalentavam desde 1910: restaurar a Monarquia. Como Lisboa lhes levantava algumas dificuldades, foram restaurar a Monarquia ao Porto (19 de Janeiro de 1919), onde a conspiração monárquica reinava desde o golpe de Sidónio Pais.
Ora, se a política de guerra sidonista já tinha produzido os mais pesados estragos, a morte do ditador, ao favorecer as intenções couceiristas, agravou a crise em que o país mergulhara, lançando-o numa profunda guerra civil.
Aos monárquicos associaram-se, então, alguns militares e mesmo alguns sidonistas que defendiam uma solução de tipo militar para o governo do país, pelo menos até ao fim dos trabalhos da Conferência da Paz que decorria em Paris. Na realidade, uns e outros não pretendiam mais do que impedir o regresso previsível dos democráticos ao poder. Contudo, a maioria dos sidonistas não se revia no projecto realista, pelo que não se associou aos monárquicos.
Por seu lado, o exército regressado dos campos de batalha, embora se encontrasse fraccionado a nível político, acabou por apoiar, maioritariamente, o regime republicano. Os militares não aceitavam, de modo nenhum, o regresso ao poder dos monárquicos que, como vimos anteriormente, os haviam traído. Os monárquicos acabaram por ser derrotados em Monsanto.
1.2 A ‘incompetência’ das direitas no pós-sidonismo
Entretanto, já sem a ameaça monárquica, Portugal tinha de assumir a responsabilidade resultante da participação na guerra. Foi, por isso, que José Relvas constituiu um governo que, além de pretender apaziguar a política interna, almejava participar com sucesso nas negociações internacionais decorridas na Conferência da Paz.
A situação resultante da participação portuguesa na guerra dominou as preocupações de José Relvas que constituiu um governo de salvação republicana, integrando sidonistas moderados, socialistas, democráticos, unionistas, evolucionistas e independentes. Foi seu objectivo fortalecer a posição internacional do governo e alargar a base social de apoio da República na luta contra os monárquicos. Desta vez, a República ainda contou com o apoio da rua e com o beneplácito da direita conservadora que, perante o desaparecimento de Sidónio Pais, recuou na sua investida contra o regime republicano-liberal.
Na verdade, as direitas que, nas “crises cruciais do liberalismo posteriores à implantação da República”, como esta crise da Grande Guerra, “confluem e em certa medida confundem-se num equilíbrio estável para, num primeiro momento, conspirar e derrubar o regime”, dividem-se quando se trata de constituir um projecto comum, bem como de “estabelecer as bases doutrinárias e as orientações políticas do novo poder”. Foi, por isso, que, como acentua Fernando Rosas, fracassou a experiência sidonista. As direitas não sabiam ainda como deveriam agir para conservar o poder. Souberam dividir os sidonistas e os militares, no sentido de ficarem em maioria, mas, como não tinham a experiência da sua própria unidade, não conseguiram conservar o poder.
Os democráticos aproveitaram este contexto de derrota da tentativa de restauração monárquica, de desagregação do sidonismo e de divisão das direitas para recuperarem alguma popularidade, que lhes permitiu regressar ao poder em Maio (1919). Durante algum tempo, acreditou-se ainda na capacidade de regeneração do regime. Porém, a Grande Guerra legara uma herança demasiado pesada. Para além da manutenção do império colonial, os outros objectivos intervencionistas falharam todos, e a Conferência da Paz saldou-se por um insuficiente “reconhecimento internacional do jovem regime republicano português – pior tratado do que a Espanha não beligerante, como amargamente se queixou Afonso Costa, e privado das adequadas e justas compensações financeiras”.
1.3 A emergência da esquerda republicana
A instabilidade governativa continuou a ser uma constante no pós-guerra, tendo mesmo aumentado de intensidade. Aliás, esta instabilidade apresenta características diferentes da instabilidade existente no período anterior ao conflito bélico. Enquanto, no período anterior à Grande Guerra, a instabilidade dos governos era, muitas vezes, criada, pelo problema do “acesso político”, no pós-guerra, a política económica tornou-se um factor decisivo na governação. Neste período, os grupos de interesses já desempenhavam “um papel relevante na formação e na queda de governos”. Evidentemente que o facto de, no pós-guerra, terem desaparecido, do sistema partidário, alguns dos seus líderes históricos - Afonso Costa, António José de Almeida e Brito Camacho, respectivamente chefes políticos dos democráticos, evolucionistas e unionistas – também fragilizou os governos.
Para esta fragilidade governativa contribuiu ainda o Partido Democrático que, no rescaldo da Grande Guerra, decidiu assumir-se como “partido situacionista por excelência, centrista, conservador”, acabando por sofrer dissenções à esquerda e à direita. Desta fragmentação, emergiu, “pela primeira vez, o que se pode considerar uma esquerda republicana”, constituída por um conjunto de grupos políticos, como o Grupo Popular, o Partido Radical, a Esquerda Democrática, os intelectuais da Seara Nova, “que se reconhecem num programa político, económico e financeiro razoavelmente coerente”.
Através de uma aliança – instável, é certo – com os partidos ou os sindicatos operários e do apoio militar da Marinha e da GNR, esta esquerda conseguiu passar “esparsa e caoticamente pelo poder até à «noite sangrenta» de 19 de Outubro de 1921”, e, como acentua Fernando Rosas, entre Dezembro de 1923 e Fevereiro de 1925, nos ministérios de Álvaro de Castro, Rodrigues Gaspar e José Domingues dos Santos, tentou “levar à prática a sua política económica e financeira de resposta à crise que o país atravessava”.
Esta esquerda pretendia atingir o equilíbrio orçamental e foi mesmo capaz de adoptar medidas nesse sentido, porém, “o reencontro do republicanismo com um projecto nacional de governação à esquerda, por contraste com o centrismo situacionista dos «bonzos» do PRP que dominava a vida política ou com a indisfarçada conspiração das direitas autoritárias, padecia de debilidades graves que se demonstraram inultrapassáveis”. Estes grupos de esquerda não conseguiram ser uma força política forte, coesa e com uma representação parlamentar capaz de lhes permitir a autonomia necessária para governar com estabilidade. Neste contexto, a maioria parlamentar do PRP, como escreve Fernando Rosas, “deixava-os governar quando não lhe convinha fazê-lo, mas derrubava-os mal entendia ser a altura de regressar ao poder”. Foi assim que o PRP derrubou o governo «canhoto» em Fevereiro de 1925 e, daí em diante, iniciou uma política de destruição da sua obra política e financeira, fazendo cedências aos meios conservadores, acreditando que, desse modo, conseguiria impedir a concretização do golpe militar que se sabia estar em preparação. Com esta atitude, acabou, no entanto, por abreviar o caminho aos golpistas.
2. UMA ECONOMIA ARCAICA
A esta instabilidade política correspondiam estruturas económicas arcaicas, “cuja solidez só pouco foi abalada e só pouco podia ser abalada” devido aos interesses estabelecidos. Era assim na organização da propriedade, por exemplo; era também assim na economia. Na primeira, os pequenos proprietários desconfiavam do emparcelamento das terras e os latifundiários recusavam qualquer medida que lhes diminuísse a propriedade. Na segunda, “continuava a insistir-se nos produtos tradicionais – os cereais, o vinho, o azeite e a cortiça – com técnicas ultrapassadas e com formas de comercialização já de há muito exploradas”.
Apesar da renovação causada pela guerra, a verdade é que o comércio interno continuou a assentar em formas tradicionais pouco desenvolvidas, como as pequenas lojas, os mercados e as feiras, travando “grandes concentrações de capital e grandes complexos comerciais”. Os pequenos comerciantes e os pequenos industriais, a par com os pequenos proprietários, “dominavam numericamente o espaço económico da época”, constituindo uma força conservadora, flutuante em termos políticos, decidida a apoiar quem lhes garantisse mais lucro, e, claro, uma eventual tranquilidade.
Com a Grande Guerra, e a decisão de Portugal de intervir no teatro das operações bélicas, veio um difícil rescaldo. No entanto, devemos assinalar que a indústria conheceu “um surto marcado, apesar das dificuldades causadas pela falta de transportes, subida no custo das matérias-primas e reivindicações sociais”. Em certa medida, a indústria aproveitou algumas das dificuldades existentes, como a inflação e a instabilidade política, para aumentar os investimentos e melhorar a concorrência com algumas indústrias estrangeiras. Foi assim na indústria conserveira, na têxtil, na química e nos cimentos.
No entanto, a indústria nacional não se desenvolveu através da concentração em grandes unidades fabris, mas através da disseminação de pequenas unidades industriais. Era uma indústria pobre “em capital e em apetrechamento moderno”, resultante de “numerosas mas modestas iniciativas de uma burguesia individualista e resistente a métodos modernos de concentração de capital”, pelo que, a crise económica do pós-guerra, sentida em Portugal até 1925, abalou decisivamente algumas destas indústrias.
Também o comércio interno conheceu uma transformação a partir da Grande Guerra. Só no ano de 1917 foram criadas 282 novas sociedades comerciais, entre as quais cinco companhias de seguros, e, entre 1917-1920, foram constituídos onze bancos, o que evidencia a afluência de capitais. Mas, quando rebentou a crise internacional de 1920-1922, a falência atingiu dezenas de estabelecimentos. Como, em Portugal, a crise económica se alastrou por mais três anos, as falências sucederam-se, deixando muitos na miséria.Por seu lado, o comércio com o estrangeiro, girava, em 1914, graças ao novo tratado comercial luso-britânico, quase totalmente em torno da Inglaterra e das facilidades, nomeadamente de transporte, concedidas pela velha aliada. Como a eclosão da guerra e o alinhamento de Portugal com a Inglaterra obrigaram a um corte de relações comerciais com a Alemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos da América e a Espanha apoderaram-se do mercado português. Assim, Portugal “sofreu uma redução drástica no seu comércio externo”, vendo-se obrigado a explorar os parcos recursos internos e a fomentar o intercâmbio com as colónias.
2.1 Uma crise económica catastrófica
No final da guerra, em 1919, em termos de importações, Portugal estava dependente da Inglaterra, dos Estados Unidos da América e da Espanha, donde importava mais de 70 por cento dos produtos, e, para agravar a situação, em termos de exportações, tinha perdido definitivamente o mercado brasileiro que passou a ser controlado pelos Estados Unidos da América. A dependência da Inglaterra era tanto mais séria quanto se sabe que a maior parte dos transportes, tanto de importações como de exportações, mesmo para as colónias e para o Brasil, eram assegurados por este país.
Em 1925, vésperas do golpe militar que derrubou a I República, Portugal agravara a dependência dos mercados europeus, donde provinham cerca de 65 por cento das importações e para onde seguiam cerca de 60 por cento das exportações. A Inglaterra recuperara alguma da ascendência sobre a economia do país. O preço pago pela participação na Grande Guerra fora, efectivamente, demasiado elevado. Mas teria sido fatal para o jovem regime republicano? António Reis considera que a crise económica desencadeada pela participação de Portugal na Grande Guerra “não foi uma crise fatal”, porém, reconhece que essa crise apresenta todos “os ingredientes habitualmente presentes nesse género de crises”, embora também defenda que esses ingredientes se encontram em doses menores do que as encontradas noutros países beligerantes.
Ora, na realidade, entendemos que essas doses, embora menores, foram maiores do que Portugal poderia suportar. Logo durante a guerra, quando se verificou uma expansão do comércio e da indústria, registaram-se também perturbações económicas e sociais graves, provocadas pela escassez de géneros alimentares, uma vez que o país “viveu a crise de escassez da Primeira Guerra Mundial” que resultou da paralisação dos transportes comerciais internacionais e da consequente quebra de fornecimentos, nomeadamente de combustíveis e de matérias-primas; pelo aumento de preços e diminuição dos salários - que diminuiu, progressivamente, o poder de compra das classes médias, do funcionalismo público e das próprias Forças Armadas; pela inflação e pelas tentativas de dirigismo económico do Estado.
Mais, as despesas resultantes da participação na guerra subiram de dia para dia, atingindo o auge nos anos de 1917-1918 e 1918-1919. Nem o aumento das receitas públicas, verificado em 1918-1919, conseguiu fazer face às despesas acrescidas pelo conflito. O descalabro dos orçamentos e das contas públicas foi uma constante, agravada ainda mais nos anos de 1920-1921 e 1922-1923, em que se verificou uma diminuição das receitas do Estado devido, essencialmente, à desvalorização do escudo que diminuiu vinte vezes de valor até 1924.
Por outro lado, a dívida de guerra de Portugal à Inglaterra era exorbitante: aproximadamente 25 milhões de libras (quase o equivalente do PIB). As pretensões de Portugal, bem como da generalidade dos aliados, de ver a dívida paga pela Alemanha, revelaram-se infrutíferas, dado que a Alemanha se mostrava “insolvente ou pagava com irregularidade”, até que, com a crise económica dos finais da década de 20, a Alemanha deu por suspensas em definitivo as reparações a que fora obrigada pelo Tratado de Versalhes.
2.2 Uma economia fechada
Nem o desenvolvimento da economia nacional verificado no final da guerra, designadamente entre 1919-1920, foi capaz de resolver a situação económica do país. O comércio do vinho, da cortiça e das conservas de sardinha expandiu-se, as importações aumentaram, constituíram-se onze novos bancos e numerosas e diversificadas sociedades comerciais, porém, o boom acabou e uma nova crise económica internacional (a de 1920-1922) abateu-se sobre Portugal, teimando em persistir até 1925. Esta crise, caracterizada, essencialmente, por “uma inflação monetária incontrolável e uma especulação desenfreada” acabou por determinar a falência de catorze bancos e diversas casas bancárias.
A balança comercial, embora com altos e baixos, evidenciou um constante deficit, com as importações a excederem “geralmente as exportações em mais do dobro”. A inflação continuou a agravar-se em consequência dos deficits públicos e do seu financiamento com recurso a empréstimos do Banco de Portugal, que obrigaram a um sempre penalizante aumento de emissão monetária. E as transferências de capitais para fora do país acentuaram-se, calculando-se, em meados da década de vinte, em 70 milhões de libras. Esta fuga de capitais depauperou o Estado que, no final da I República, tinha uma das mais baixas reservas de ouro da Europa.
Não admira, assim, que, no final da Grande Guerra, do ponto de vista político, a situação interna e externa de Portugal tenha sido observada pelas principais potências estrangeiras como uma situação de decadência ou de decomposição – recordemos os 14 ministérios que governaram Portugal entre Maio de 1919 e Janeiro de 1922; lembremos que a esta instabilidade governativa se associou a indisciplina dentro dos partidos republicados que viviam cisões constantes, tornando imprevisível a sustentação parlamentar dos governos; não esqueçamos que, do lado espanhol, continuava a sonhar-se com o dia em que Portugal perderia a sua categoria de Estado soberano e a Espanha se apresentaria como a legítima herdeira do espaço geográfico português (era um sonho que ganhara nova força no período sidonista, porquanto Sidónio Pais contemplara “seriamente o projecto de uma aliança com o país vizinho”) - e que, do ponto de vista financeiro, a situação de Portugal tenha sido qualificada como catastrófica.
Evidentemente que a República herdou um país de cofres vazios e, devido à instabilidade política e governativa, não teve tempo para os voltar a encher. Contudo, a Grande Guerra tornou inevitável que a situação do país se agravasse. Só a partir de 1924, Portugal conseguiu começar a recuperar o nível de produção anterior à guerra, muito embora essa recuperação tenha ficado a dever-se aos efeitos da reforma fiscal de 1922 e do progressivo “controlo das contas públicas” realizado pelo então ministro das Finanças Álvaro de Castro.
Neste período, uma vez que a participação na guerra confirmou a posse do império colonial, Portugal começou a desenhar um novo modelo de espaço económico nacional à escala do império, fechando a economia do país sobre si mesma. Esta lógica de construção de um novo espaço económico nacional à escala do império, associada à retracção do comércio internacional, contribuiu, de forma decisiva, para a ideia da necessidade de um governo forte, que começou, por esta altura, a circular entre a opinião pública e que apresentou o exército como a solução para a crise que aprisionara Portugal.
3. A CRISE SOCIAL E DE VALORES Se, na realidade, as mutações políticas e económicas resultantes da conjuntura da Grande Guerra explicam a queda da I República, a verdade é que esses factores foram ainda auxiliados pela agitação social que afectou a vida da República desde o início mas que se agudizou durante e após a guerra. A este nível, devemos analisar duas ordens de razões: o esvaziamento dos valores e a questão operária.
Em relação ao esvaziamento dos valores, podemos considerar a insensibilidade à violência, a proliferação de ódios e a crise dos valores morais tradicionais, todos fomentados pela Grande Guerra. Basta recordarmos os acontecimentos da «noite sangrenta» (19 de Outubro de 1921), ocorridos no rescaldo do vitorioso golpe militar radical contra o governo do Partido Liberal de António Granjo, para constatarmos que a violência entrara na ordem do dia, atingindo um ponto até então inimaginável.
O facto de se aceitar que a conspiração da «noite sangrenta» deverá ter tido várias cabeças e não deve ter resultado de um plano geral mas de uma série de ajustes de contas, evidencia que a instabilidade política e a crise económica provocadas pelos quatro anos de guerra, e todo o sangue derramado pelos milhares de mortos e outros tantos milhares de feridos, tinham criado uma atmosfera de impunidade e uma enorme insensibilidade à violência. Conspirava-se na maior promiscuidade, pelo que já ninguém estranhava. Contudo, a morte de conhecidos fundadores da República (António Granjo, José Carlos da Maia e Machado Santos), bem como de cidadãos quase anónimos (como o motorista Gentil e o coronel Botelho de Vasconcelos) na «noite sangrenta» gerou uma “vaga de repulsa colectiva” no país.
Ninguém conseguia entender a crueldade destas mortes, pelo que imediatamente surgiu um clima de comoção nacional que obrigou as elites republicanas e a opinião pública a tomarem consciência da necessidade de criação de condições de estabilidade governativa. Por isso, foram convocadas eleições legislativas antecipadas (em Janeiro de 1922), que conferiram a vitória aos democráticos, então chefiados por António Maria da Silva.
Esta conjuntura política, económica e social, viabilizou o início do saneamento das finanças do Estado e do controlo da inflação, deixando pairar sobre a República, ainda que por pouco tempo, uma última réstia de esperança. É por isso que entendemos que os acontecimentos da «noite sangrenta», que, efectivamente, foram aproveitados para criar o clima favorável à queda do regime republicano, num primeiro momento, funcionaram como um aviso às classes dirigentes do país. António Reis partilha deste nosso ponto de vista, ao defender que a «noite sangrenta» funcionou como “um sinal de alarme”, criando “as condições para que os dirigentes republicanos arrepiem caminho e enveredem por um período de relativa estabilidade governativa”, que estará na base da sobrevivência da República durante mais cinco anos.
3.1 O descontentamento da classe operária
Os trágicos acontecimentos da «noite sangrenta», na medida em que constituíram uma espécie de aviso à ‘navegação’, poderão também ter contribuído para uma certa desmotivação da classe operária para o protesto social. Isto porque, até então, o descontentamento da classe operária era o maior possível. Os sucessivos governos da República não tinham feito uma política económica e social capaz de dar provimento às exigências da classe operária e de responder às pressões da oligarquia financeira, pelo que a ameaça da classe operária se intensificara entre 1919 e 1921.
Para tranquilizar “os meios burgueses face ao crescendo da agitação social operária, os governos republicanos envolvem-se numa quase guerra permanente contra o movimento operário que acabaria por os cortar completamente deste seu fundamental aliado do 5 de Outubro”. Embora o operariado representasse uma reduzida percentagem (5%) da população do país, e se encontrasse partidariamente dividido, a verdade é que se agrupava em associações de classe, coordenadas, até 1919, pela União Operária Nacional, e, depois, pela Confederação Geral do Trabalho, ambas de orientação anarco--sindicalista de influência italiana e espanhola, empenhadas em acabar com o capitalismo, fosse monárquico ou republicano. E em Lisboa, os operários, que tinham ajudado a constituir, até 1910, a base social de apoio do Partido Republicano Português, representavam cerca de 40% da população. Não eram, de todo, inestimáveis.
A República prometera-lhes, nomeadamente, uma jornada de trabalho de oito horas, o direito à greve, o direito de voto, e não lhes dera rigorosamente nada. Mais: quando o operariado se mobilizou para protestar contra os governos da República, foi sempre violentamente reprimido. Recordemos, a título de exemplo, a repressão a tiros de espingarda de que foram alvo os grevistas das conserveiras de Setúbal logo em 1911. Ou, em plena guerra, na Primavera/Verão de 1917, o combate que o governo deu, “com excepcional violência” à “explosão grevista e popular de protesto contra os terríveis efeitos da participação de Portugal no conflito”.
Destes efeitos - carestia de vida, escassez de géneros alimentares, epidemias de gripe e de tifo, milhares de mortos nas trincheiras, açambarcamento de bens essenciais – resultara, entre Maio e Setembro de 1917, como acentua Fernando Rosas, um “convulsivo processo de revolta social e de greves”, a que o governo respondera com prisões massivas de grevistas e encerramentos de sindicatos. Aliás, foi neste contexto que o sindicalismo revolucionário apoiou o dezembrismo. Embora tenha sido sol de pouca dura. Os protestos contra a guerra e as suas dramáticas consequências no dia-a- dia dos mais pobres, para quem “a única coisa que a intervenção na guerra significava era […] um calvário de fome, doença e miséria”, regressaram logo em Março de 1918, agudizaram-se com a tentativa de greve geral de Novembro do mesmo ano, e nunca mais pararam.
Contudo, neste quadro, o operariado ainda se reconciliou – por pouco tempo – com o republicanismo e exigiu na rua a reposição da ordem de acordo com a Constituição aprovada em 1911. Esse apoio do operariado, não impediu, no entanto, que a repressão regressasse durante a ofensiva operária de 1919-1921, que paralisou, durante longos períodos de tempo, alguns dos sectores que ainda permitiam andar a economia do país. O operariado português voltar-se-ia, de novo, para o discurso anarco-sindicalista, que identificava os partidos como agrupamentos da burguesia endinheirada e, deste modo, tornar-se-ia uma ameaça respeitável ao poder político.
Como escreve Oliveira Marques, “atentados à bomba, lutas individuais e assassinatos, muitas vezes com cheiro político, traduziram […] a agitação social desde 1919”. Apesar da “posição oficial de neutralidade dos trabalhadores nas querelas políticas, consideradas assunto «burguês», foram sem conta os operários e os empregados subalternos que participaram nas muitas revoluções e conspirações”.
3.2 A impassibilidade do operariado
Após a «noite sangrenta», a classe dirigente percebeu que era urgente acalmar a contestação nas ruas. Nisto, teve alguma sorte, pois as notícias que iam chegando das reviravoltas na Ucrânia, das concepções leninistas “acerca […] da «ditadura do proletariado»”, que chocavam com o ideário anarquista, bem como “o surgimento […] do partido comunista […] e a cisão que ele operou no movimento operário”, refrearam o movimento sindical.
Desta divisão e de uma certa fraqueza estratégica resultou “o progressivo esgotamento e perda de eficácia das lutas operárias a partir de 1922-1923”, seguindo-se, assim, “um tempo em que as mobilizações sindicais decresceram”. O certo é que esta desmobilização do movimento de contestação social permitiu ao novo governo a implementação de medidas que viabilizaram um certo crescimento económico do país. Este crescimento económico não foi, no entanto, suficiente, para a sobrevivência da República. Embora tenha diminuído a contestação operária, a verdade é que a República teve que defrontar-se com o aumento do terrorismo. A violência tornou-se uma constante nas cidades, devido, nomeadamente, à acção de organizações clandestinas como a «legião vermelha». Ainda que não existissem “formações para-militares ou milícias de tipo fascista em Portugal, nem mesmo associações de ex-combatentes que povoaram a Europa após a Primeira Guerra Mundial, a presença de sectores armados de partidos ou de associações secretas a eles associados cobria praticamente todo o espectro político”.
A recta final da República, nomeadamente o período entre o 18 de Abril de 1925 (movimento militar chefiado pelo general Sinel de Cordes, comandante Filomeno da Câmara e coronel Raul Esteves) e o 28 de Maio de 1926, é ilustrativa do clima de “quase inevitabilidade de uma nova grande mudança política, com inacreditável passividade do campo republicano, expectativa do movimento operário, movimentações e declarações cada vez mais ousadas de natureza antidemocrática.” O operariado, que “em momentos cruciais de ofensiva das direitas” ainda acudiu à República (contra as tentativas de restauração monárquica em 1919 e contra os golpes político-militares das «forças» em 1924 e 1925), assistiu “impassível” ao golpe final na I República.
4. A OPOSIÇÃO DA IGREJA CATÓLICA
A conflituosidade entre a República e a Igreja foi uma constante, por isso a questão religiosa é também relevante no contexto da agonia da I República. Aquando da instauração do regime republicano, a Igreja católica era a grande potência religiosa em Portugal. Havia cerca de seis mil padres, o que correspondia a um padre por cada mil habitantes. O norte e os Açores eram as regiões onde a influência do clero era maior. “A correlação entre as zonas de menor influência clerical e de maior influência republicana era clara”. Não admira, assim, que os republicanos quisessem debelar a influência da Igreja.
Por isso, logo no início, a República assustou alguns padres, cientes de que um dos objectivos republicanos era a separação da Igreja do Estado. Cerca de meio ano depois da instauração do regime republicano já a ‘lua-de-mel’ terminara. Os rumores sobre conspirações aumentavam; os padres manifestavam a sua hostilidade nos púlpitos; e os bispos protestavam contra o ideário republicano. A 20 de Abril (1911), Afonso Costa, através do Ministério da Justiça, respondeu aos descontentamentos da Igreja católica com a Lei da Separação do Estado das Igrejas.
Com esta lei, a República assumiu-se como radical, hostilizou o conservadorismo católico, cortando qualquer possibilidade de aproximação às forças conservadoras. A esquerda monárquica, que planeara adesivar-se na qualidade de direita republicana, afastou-se da República. A Igreja apelou aos sentimentos católicos da maioria da população portuguesa, incitando-a contra a República jacobina e anticlerical. Como tinha ao seu serviço uma imprensa considerável (jornais e revistas), desencadeou um combate sem tréguas ao regime republicano. A Lei da Separação entrou em vigor a 1 de Julho (1911) e com ela a Igreja católica não ficou apenas empobrecida e equiparada a todos os demais credos existentes no país. Ficou “reduzida a uma situação de subserviência frente ao povo católico como jamais tivera no passado, pelo menos no passado português”.
Por outro lado, a lei transformou a propriedade eclesiástica em propriedade nacional ao serviço da Igreja, o que laicizou o Estado e abateu o poderio eclesiástico. Apesar de uma forte resistência da hierarquia eclesiástica, até 1917 a lei foi cumprida, embora, pontualmente se tenha verificado a suspensão de alguns artigos. A liberdade de cultos acabou por se traduzir numa intolerância do Estado sobre o catolicismo, como o país ainda não conhecera e por uma ‘guerra religiosa’ instalada no interior da sociedade.
Este anticlericalismo, como acentua Fernando Rosas, “transcendeu em muito a importante tarefa de modernização cívica que foi a laicização do Estado (princípio da separação, divórcio, registo civil, direitos das mulheres, ensino laico…)” e, além do mais, “instalou uma espécie de neo-regalismo republicano, dando ao Governo o poder de nomear, demitir e castigar os bispos, de censurar as suas homilias, de fiscalizar e policiar as manifestações do culto, chegando a nacionalizar as igrejas e as alfaias”.
De um modo completamente suicidário para a República, o regime respondeu com severidade “aos protestos, às desobediências, às críticas, às conspirações, prendendo, deportando, silenciando jornais, humilhando os dignitários da Igreja católica”. É por demais evidente que a laicização do Estado não exigia que se hostilizassem os sentimentos e as crenças religiosas da grande maioria da população portuguesa, sobretudo a população rural. O anticlericalismo afonsista não percebeu que, deste modo, atingia uma parte significativa da sua base social de apoio: a plebe urbana que escutara e seguira a palavra dos líderes republicanos como se esta fosse palavra de evangelho.
4.1 O ‘magro’ impacto do reformismo sidonista
Como assinala Vítor Neto, a República, apesar de ter estabelecido a liberdade de cultos, não usou de maior tolerância. De acordo com este especialista, o período republicano caracterizou-se por uma “intolerância extrema em virtude do radicalismo da política religiosa levada a cabo por Afonso Costa e pelos seus colegas republicanos”, a qual se pautou por uma conflituosidade religiosa que atravessou toda a sociedade portuguesa e todo o espaço geográfico do país.
Atacada por todos os lados, a Lei da Separação tornou-se um símbolo do jacobinismo da República dos democráticos, antagonizou posições e bipolarizou a sociedade entre conservadores e radicais, esvaziando o centro político – o que só seria atenuado pelo reformismo do governo de Sidónio Pais (1917-1918) - pelo Decreto n.º 3056 de Março de 1918. Mas, mesmo esta revisão sidonista não correspondeu às aspirações clericais. Apesar de ter restituído ao clero parte da sua intervenção nos assuntos do culto, não lhe devolveu a influência política material perdida em 1911. A Igreja não insistiu na recuperação do prestígio perdido, antes decidiu investir noutros campos e aguardar “por melhores dias para pôr fim à odiada lei”.
Como vinha fazendo desde o início da República, e acentuadamente durante a guerra, sobretudo até ao sidonismo, a Igreja “fomentou e enquadrou grande parte […] das conspirações, revoltas, motins e outras formas de luta armada contra a República”. Entre a República e a Igreja, “incapaz de se adaptar”, o combate foi, portanto, “inevitável e permanente”.
4.2 A República à defesa e a Igreja ao ataque
Com a Grande Guerra e a participação de Portugal assistiu-se a um renascimento da influência religiosa, pelo que a ofensiva contra a Igreja Católica acalmou. Porém, era tarde demais, a Igreja percebera que chegara a sua hora. A política anticlerical provocara a alienação do mundo rural e das mentalidades mais conservadoras em relação à República.
O anticlericalismo republicano não só não conseguira diminuir o poder político e simbólico dos católicos, como ainda empurrara para as fileiras conservadoras anti-republicanas a grande maioria das populações rurais, sobretudo do norte e centro de Portugal.
No mesmo contexto, a direita antiliberal, arvorada em defensora da religião e da própria Igreja Católica, ganhara expressão e reforçara “o cerco contra a Lisboa «ateia», grevista e republicana”. A República, “continuamente enfraquecida, passou à defesa e a Igreja ao ataque. Débil, debatendo-se com extraordinárias dificuldades, a República foi, um a um, entregando os trunfos”. A Igreja voltou a ter uma liberdade de movimentos quase total, sem controlo do Estado.
Após o restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé (Julho de 1918) e a imposição, pelo Presidente da República António José de Almeida, do barrete cardinalício ao núncio apostólico Achille Locatelli, como apenas faziam os reis, consumou-se a nova aproximação entre o Estado e a Igreja católica.
Entretanto, a Igreja católica reorganizara-se, criara novos organismos, novas devoções, novas fontes de receita (desenvolvendo relações com representantes da alta finança), reforçara a sua imprensa e aproximara-se das Forças Armadas. A partir daí, com a ajuda de uma imprensa bem orientada e preparada para combater com inteligência, o papel da Igreja católica foi trabalhar “até conseguir a vitória final em Maio de 1926”.
De acordo com Vítor Neto, é nas consequências do anticlericalismo para a I República que se enraíza, até hoje, a prudência com que os regimes políticos portugueses lidam com a Igreja católica.
5. A IRA DOS MILITARES
Por último, não podemos deixar de equacionar o contributo dos militares para a queda da I República. De 1914 a 1918, uma parte significativa do exército esteve na guerra nas colónias em África e na frente europeia em França. Algumas expedições fizeram a defesa das colónias de Angola e Moçambique nos quatro anos de guerra e um corpo especial (CEP - Corpo Expedicionário Português) fez a guerra na Flandres nos anos de 1917-1918. No total, eram cerca de 100 mil homens, dos quais dez mil perderam a vida. Todavia, os restantes regressaram a casa, alguns feridos, mas, a maioria retomou as suas ocupações anteriores à guerra, não suscitando problemas dignos de registo e reintegrando-se na ordem social existente no pós-guerra em Portugal.
Os oficiais, no entanto, especialmente os generais, os coronéis, os tenentes-coronéis e os majores, regressaram com folhas de serviço prestigiadas, medalhas, habituados a comandar, e depararam-se com um país em que o poder era dos civis, devidamente alavancado pela classe política. Ainda assim, obrigaram o Estado a incorporar, nas Forças Armadas, cerca de 2000 oficiais milicianos, aumentando, entre 1915 e 1919, de 2600 para 4600 o número total de oficiais. Este problema era tanto mais gravoso quanto, entre 1919 e 1921, devido às intensas e prolongadas greves operárias, bem como à desconfiança dos governos nas Forças Armadas, o Estado reforçara o corpo da GNR (5 mil em 1911; 11 mil em 1922). Como a GNR era considerada “uma defensora urbana do Estado” contra o operariado e contra o exército, este reforço representou “mais um elemento da burocracia associada ao controlo dos democráticos do governo”, e, por isso mesmo, suscitou mais uma tensão corporativa.
O elevado número de militares resultante da intervenção na guerra e da intensificação da crise social, aliado à inflação, provocou uma redução dos seus salários (35,8% em 1918, 22,6% em 1920, 22% em 1921 do que eram antes da Grande Guerra), o que foi responsável pelo aumento das tensões corporativas com os governos republicanos. Nem os subsídios e os privilégios que lhes foram concedidos travaram o seu descontentamento.
5.1 O antagonismo entre a «força armada» e o poder político
“Sem guerras e com as colónias pacificadas e uma estrutura de base incapaz de os absorver”, as elites dirigentes discutiram qual deveria ser o papel dos oficiais na vida civil, porquanto sabiam que os militares – “muitos deles orgulhosos das suas medalhas – constituíam um excedente perigoso, vocacionado para a conquista do poder”. A dor de cabeça dos governantes aumentou devido ao facto da legislação em vigor permitir o seu recrutamento, a sua manutenção em quadros próprios e mesmo a sua integração na carreira militar, e os oficiais de carreira e alguns sargentos terem subido o tom dos protestos por se sentiram preteridos na mudança de patente.
A indisciplina nos quartéis, corrente no período republicano, foi outros dos problemas suscitados pelos militares. As sucessivas insurreições e revoluções, com as consequentes prisões, destituições e descriminações de oficiais e sargentos ainda contribuíram mais para a confusão vivida no sector militar. Aliás, a tomada do poder por Sidónio Pais assentou “num acto generalizado de indisciplina: recusa à mobilização para a guerra”.
No fim da guerra, a instituição militar enfrentou, como assinala José Medeiros Ferreira, três problemas: “as despesas orçamentais, […] o hipertrofiamento dos quadros de oficiais e […] as novas orientações para a política militar em Portugal”. Ainda viram franqueada, um tanto para acalmar as hostilidades, a sua entrada nos órgãos directivos dos partidos, mas, mesmo assim, nunca se reviram na política republicana. Nem a recuperação do seu estatuto social e do seu poder de compra, que começou nos anos de 1920-1921 e, embora não tenha sido constante, prosseguiu até 1930, conseguiram provocar uma inversão da marcha militar.
O golpe de Abril de 1925 evidenciou que os militares não tinham desistido do seu objectivo. Na perspectiva de José Medeiros Ferreira, aqueles problemas implicaram um recolhimento dos militares até 1923 - período em que a República se apoiou na GNR -, mas, a partir daí, tudo pareceu “resumir-se ao antagonismo entre a «força armada» […] e o poder político do Partido Democrático”. Bastou uma diminuição temporária do seu efectivo poder de compra para acertarem o passo na direcção mais temida pelos republicanos – o golpe.
A partir das conspirações de 1925, a pressão dos militares acelerou-se tão claramente que estes não tiveram pejo em agir em nome das próprias Forças Armadas. Só a resistência de algumas unidades militares e da GNR fez abortar a insurreição militar. Esta resistência não impediu que, alguns meses mais tarde, um tribunal militar reintegrasse os insurrectos, e que crescesse o “apelo a um interregno militar na política parlamentar”. Na origem deste apelo estaria, entre outros aspectos, a situação dos militares que não melhorara com a República, agravara-se durante a guerra e jamais regressara ao nível anterior à intervenção de Portugal no conflito mundial.
5.2 A contagem decrescente para o 28 de Maio
Neste ambiente, o republicanismo, apesar de ter “propostas coerentes para responder à crise de fundo que abalava a República liberal”, não teve “força política e militar para as aplicar”. Em nome desta crise que “varria o país e da urgência de remédios excepcionais para a «salvação nacional»”, as elites liberais nacionais renderam-se política e intelectualmente ao nacionalismo autoritário, aceitando uma alternativa militar ao poder estabelecido.
Entretanto, os militares, dado que tinham conseguido repor alguma disciplina nos quartéis e recuperar algum do seu prestígio (nomeadamente através da inauguração de monumentos à participação de Portugal na Grande Guerra), perceberam que começavam a estar reunidas as condições para se revoltarem, pondo fim à I República. A revolta de 18 de Abril de 1925 proporcionou alguma mobilização dos militares e da opinião pública, funcionando como ensaio geral do 28 de Maio de 1926.
Convém, contudo, não esquecer que os militares não incorporavam, como o discurso histórico-ideológico do Estado Novo pretendeu fazer valer, uma instituição “supraclassista e suprapartidária, referência última da legitimidade do Estado, depositário […] das virtudes pátrias, bastião incorruptível do vigor derradeiro da nação enferma”. Eram, antes, uma instituição dividida política e ideologicamente “em várias conspirações e facções que guerreiam, concorrem e se vigiam”.
Na verdade, em 1926, as Forças Armadas encontravam-se tão fraccionadas política e ideologicamente que cada “facção política tinha a sua espada, a sua tropa de confiança”, como conclui Fernando Rosas, para quem, no 28 de Maio “não há uma conspiração militar una, com um comando e um plano centralizado, com uma chefia clara. A conspiração desdobra-se por distintas facções político–militares com os seus chefes próprios, ligados aos apoios político-partidários de que dispõem e às suas respectivas e distintas estratégias, vigiando-se mutuamente e tentando a todo o custo, cada uma delas, ganhar a iniciativa dos acontecimentos”.
Em última análise, os militares foram, como acentua João Medina, os protagonistas de “uma curta comédia de enganos, trepidante carrossel de atarantados […] sequiosos de mando” que, no entanto, levaram a República à cova, enquanto os operários assistiam indiferentes ou resignados – afinal tinham velhas contas a ajustar com os dirigentes republicanos, sobretudo com Afonso Costa, a quem tinham atribuído a alcunha de «racha – sindicalistas».
CONCLUSÃO Se “a História é o romance verdadeiro”, como defende Paul Veyne em Como se escreve a História, neste ‘romance’ sobre a falência da I República sobressai uma ideia muito clara: a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial foi o grande motor de arranque para o precipício que foi o golpe militar de 28 de Maio de 1926.
Não há dúvida de que, depois da implantação da República, é a Grande Guerra que “traça a marca mais profunda na sociedade portuguesa” na segunda década do século XX. Assim como também não restam dúvidas de que, para além da Lei da Separação do Estado das Igrejas, é a guerra que mais afasta a população da República.
Pode não ser possível estabelecer uma relação de causa-efeito entre a nossa intervenção na Grande Guerra e a falência da República – porque, como vimos, há outros factores que também contribuíram para a sua queda - , e pode mesmo concluir-se que a nossa não participação na guerra não nos teria poupado enquanto país nem teria salvaguardado o regime republicano, porque a neutralidade não poupou nenhum país. Todavia, tem de se concluir claramente que a decisão intervencionista e a nossa participação efectiva no primeiro conflito mundial provocou uma catástrofe nacional que foi decisiva para a falência da I República.
Como factor de instabilidade em todos os países envolvidos, a guerra foi responsável por crises monetárias, fomes, epidemias, greves, motins, golpes de Estado e revoluções. Em Portugal, a guerra provocou uma carência generalizada de géneros essenciais, aumento de preços, desvalorização da moeda, racionamentos, aumento da pequena criminalidade – como os assaltos a depósitos de bens de consumo -, confrontos entre a população e as forças policiais, até uma epidemia de gripe pneumónica, empurrando a opinião pública e a população em geral contra a República.
A guerra aumentou os males de que padecia a República. É verdade que, com a participação na Grande Guerra, a República pretendia “consolidar-se no quadro das instituições legais europeias e mundiais”, porém, o confronto político-ideológico entre intervencionistas e anti-intervencionistas abriu várias frentes de confrontação política e social, propiciando o desenvolvimento de um sentimento de tipo antiliberal e anti-republicano.
O sidonismo, “expressão do profundo descontentamento popular com os efeitos da política de intervenção na guerra” é disso exemplo. Tratou-se de uma “primeira tentativa de superar o republicanismo através de um novo tipo de ditadura antiliberal”, que, só não vingou – como sustenta Fernando Rosas – porque “as direitas portuguesas não tinham ainda, não podiam ter, a experiência do que haveria de ser o seu processo de concertação e unificação política e ideológica não só para tomar o poder […], como, sobretudo, para nele se manter e iniciar o processo de transição para um regime autoritário e antiliberal de novo tipo”.
A beligerância de Portugal acabou por transformar-se numa espécie de catalisador de todos os ódios à República e ao sistema liberal, criando as condições propícias à radicalização das correntes antidemocráticas e autoritárias e ao reforço do pensamento antiliberal. Mesmo depois de cessar o conflito, e após a assinatura da paz, Portugal não conseguiu resolver a crise que se instalara no país. Claro que as decisões tomadas em sede da Conferência da Paz, em Paris, entre Janeiro e Junho de 1919, em nada ajudaram a jovem República portuguesa.
O intervencionismo português, que tinha o objectivo claro de reforçar o prestígio internacional da República e de fazer Portugal alcançar “um lugar entre as nações”, acabou por revelar-se “uma típica e suicidária manifestação do voluntarismo republicanista: o desejo de regenerar Portugal a golpes de audácia e de diplomacia – de ideologia -, mas à custa do sacrifício directo e indirecto da imensa maioria para quem a guerra não passava de um morticínio absurdo”.
É por isso que a política guerrista não agradou a ninguém: a unidade nacional não foi conseguida; a elite democrática não conseguiu sobreviver no poder; a instabilidade política agravou-se; a crise económica intensificou-se de forma dramática; a agitação social agudizou-se enormemente; os militares mal equipados e empobrecidos pela Grande Guerra fragmentaram-se; a Igreja, apesar da lei de Afonso Costa, continuou a ser o ‘ópio’ do povo.
Em síntese, podemos concluir o seguinte:
- O espectro político português do pós-guerra caracterizou-se por um aumento do ritmo de queda dos governos. Os governos de coligação, conservadores ou de maioria democrática, foram instáveis, atingindo a mais baixa duração média (91 dias) quando comparados com os governos de um único partido antes da guerra (156 dias). A instabilidade política do pós-guerra foi, no entanto, diferente da que precedeu o conflito mundial. Enquanto no período anterior à guerra, a instabilidade foi criada pelo problema do acesso político, no pós-guerra são as motivações de política económica que estão na origem da instabilidade governativa. O breve consolado sidonista e a fragmentação do sistema partidário são outras das características do panorama político nacional do pós-guerra.
- Em termos económicos, a situação do país agravou-se no pós-guerra. Embora Portugal não tenha sofrido danos graves na sua estrutura produtiva comparáveis aos prejuízos causados pela guerra nos territórios beligerantes, na verdade, viveu a crise da escassez da Grande Guerra, resultante da paralisação dos transportes comerciais e da quebra de abastecimentos de matérias-primas e de combustíveis, e só conseguiu recuperar os níveis de produção anteriores à guerra em 1924. Por outro lado, a confirmação da posse do território colonial pelo Tratado de Versalhes, levou à organização de um novo espaço económico à escala do império e ao consequente fecho da economia nacional sobre si mesma.
- Do ponto de vista social, a participação na guerra também marcou decisivamente o destino de Portugal. A partir do momento da decisão de conduzir Portugal à guerra, os intervencionistas exacerbaram os conflitos sociais internos, afastaram-se, cada vez mais, da sua base social, e confrontaram-se com uma massa da população que exigiu nas ruas o pão que a guerra lhes tirara. Nem o fim do conflito acalmou o descontentamento social. Os anos de 1919-1920 foram terríveis. A contestação social só abrandou depois de 1921 devido à obtenção de melhorias significativas das condições de trabalho, bem como em virtude da comoção nacional provocada pelos assassinatos da «noite sangrenta», a qual funcionou como um aviso para as classes dirigentes.
- A nova conjuntura internacional do pós-guerra, que favoreceu o surgimento de soluções autoritárias, veio também acompanhada de um ressurgimento do sentimento religioso. O auxílio que os católicos prestaram aos militares que tombaram nos campos de batalha, inspirou os sentimentos religiosos da população. Estes sentimentos significaram o princípio do fim da postura anticlerical da República dos democráticos. A Lei da Separação do Estado das Igrejas, que esteve na base da oposição permanente entre a Igreja católica e a República, foi ferida pelo reformismo sidonista e golpeada de morte no pós-guerra, quando se reataram as relações com a Santa Sé e quando o Presidente da República António José de Almeida impôs o barrete cardinalício ao núncio apostólico como só faziam os reis. Mesmo assim, a Igreja católica continuou conspirativa, tão anti-republicana como a República democrática era anticlerical.
- Sobre os militares, a guerra teve também um efeito destabilizador. Desde o início, a estratégia intervencionista provocou uma divisão profunda nas Forças Armadas. Por sua vez, esta divisão agravou a desconfiança do governo nas Forças Armadas. Por isso, o governo criou o CEP, uma força especial constituída por oficiais leais à República, que levou alguns militares a manifestarem-se contra a guerra. De resto, estes militares acabam por viabilizar as ditaduras de Pimenta de Castro (1915) e de Sidónio Pais (1917-1918) e nunca mais aceitaram a política republicana.
Da intervenção na guerra e do fim do sidonismo emergiu um exército dividido e politizado, duplicado em efectivos e aumentado em dirigentes com prestígio alcançado nos campos de batalha. São estes os que não aceitaram, no regresso à pátria, a diminuição do seu nível de vida, devido ao abaixamento dos salários. São os que se envolveram em tensões corporativas sucessivas, primeiro, revoltas e golpes, depois; até ao golpe final de 28 de Maio de 1926 – este organizado pelas diversas facções existentes no seu interior, nomeadamente republicanos conservadores, católicos e integralistas.
Em suma, os dramáticos efeitos políticos, económicos, sociais, religiosos e militares da participação de Portugal na Grande Guerra “agudizaram todas as dificuldades e contradições do regime, precipitando-o numa crise, à qual, em última análise, ele acabaria por não sobreviver”. Foi, neste contexto, que foi possível o golpe militar de 28 de Maio de 1926, perante o qual, tendo em conta a situação descrita anteriormente, “o povo esperava, a Igreja suspirava, a banca respirava e os talassas conspiravam”.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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